O cheque está com os dias contados?

No início da utilização do cheque pré-datado como forma de concessão de crédito, o varejo nacional apresentava algumas restrições para sua aceitá-lo, em razão da inexistência de previsão legal para a prática. Esta insegurança só deixou de existir a partir do momento em que o pré-datado passou a ser reconhecido no campo doutrinário e jurisprudencial.

Atualmente, é pacífica a aceitação jurídica do mesmo, encontrando, inclusive, o instituto guarida em vasta jurisprudência que legitima sua aceitação, uso e circulação. Como título de crédito cambiariforme, é regido pelos princípios do direito cambiário, que teoricamente, protege o portador de boa-fé.

Em uma interpretação um pouco mais moderna, poderíamos invocar o novo Código Civil nas questões relativas ao pré-datado, pois neste código encontramos regulamentação para os títulos de crédito que não possuem legislação específica. Nesta linha, ousada e quase não experimentada, o cheque pré-datado encontraria ainda mais proteção, pois teria, inclusive, um prazo prescricional maior que do cheque propriamente dito.

Por outro lado, nova dúvida surge no mercado em relação ao cheque: Está o cheque com os dias contados em razão do crescimento dos cartões?

Indiscutível é a expansão do número de usuários de cartões de crédito e débito. Movimento este que, incentivado por agressivas campanhas comerciais por parte das administradoras junto aos estabelecimentos e usuários e pelo desestímulo que o setor bancário vem promovendo em relação ao uso do cheque, supostamente, vem reduzindo sua participação de mercado.

Da mesma forma, verificamos inúmeras reportagens e artigos veiculados na mídia nacional, inclusive com a apresentação de dados estatísticos, que nos levam a crer que os cartões estão tomando o espaço dos cheques de forma galopante e esmagadora.

Entretanto, o que temos que verificar é se os cartões estão de fato “roubando” o mercado dos cheques, ou se há aumento do número de usuários de cartões, o que não necessariamente significa redução no volume de cheques ou que este usuário de cartão abandonou o uso do cheque.

Expansão do número de usuários de cartão de crédito não decreta automaticamente o fim de um uma ordem de pagamento aceita em oito de cada dez estabelecimentos.

Não obstante, nem sempre esses dados estatísticos são interpretados de forma isenta, e podem, eventualmente, induzir a erro o leitor, que muitas vezes faz uso da informação veiculada para tomar sua decisão?

Por exemplo, se compararmos a quantidade de cheques compensados com valor inferior a R$ 299,99 em fevereiro de 2003, de R$ 141,3 milhões, com o mês de fevereiro de 2004, de R$ 120,9 milhões, verificamos uma diminuição no volume de cheques compensados da ordem de 16,87%.

Porém, ao compararmos o mesmo mês de fevereiro 2003 com dezembro de 2003, quando o volume de papéis compensados foi de R$ 159,2 milhões, constatamos um aumento de 12,67%. Verificamos, portanto, que, mesmo de modo simplista, os dados podem ser interpretados de diversas formas e que, consequentemente, podem levar a conclusões prematuras e equivocadas. Até porque outras variáveis remetem a uma diminuição esporádica e temporária no volume de cheques compensados, como um momentâneo desaquecimento econômico, por exemplo.

A Revista Veja, de 5 de maio de 2004, trouxe, em sua página 40, reportagem que mostrava que o total de pagamentos através de cheques foi de R$ 1 trilhão em 2003, enquanto que o total de pagamentos através de cartões foi de R$ 70 bilhões, ou seja 7% do montante em relação aos cheques.

Apesar das investidas das administradoras para ganhar mercado do cheque, como por exemplo a criação da Visa Eletron Pré-Datado, que pretende ter credenciado até o final de 2004, para este produto, 120.000 estabelecimentos, o próprio movimento do mercado acaba freando um pouco esta expansão, pois, tanto para o consumidor, como para os comerciantes, o cartão traz algumas desvantagens, que podem ser determinantes neste processo.

Para o consumidor, existe uma resistência grande em relação à anuidade e aos juros de mora, que são altíssimos. Existe também a desvantagem do limite de crédito restrito.

Muitas vezes é mais barato para o comerciante conceder crédito através do cheque pré-datado. As administradoras cobram até 5% do estabelecimento em uma transação com cartões de crédito, mais o aluguel da máquina que estão em torno de R$ 80,00 mensais. Se usarmos como referência o mês de maio, que foi o período de maior inadimplemento com cheques no ano de 2003, onde 1,76% dos cheques depositados pela 2ª vez foram devolvidos, fica evidente que, em determinadas circunstâncias, é mais vantajoso para o varejista trabalhar com cheque, mesmo considerando a inadimplência.

Seria ingenuidade imaginar que um meio de pagamento como o pré-datado, que registrou um movimento de R$ 372 bilhões em 2003, quando oito entre cada dez estabelecimentos comerciais aceitam este tipo de pagamento, seria facilmente eliminado pelo avanço dos cartões. Segundo dados da Abracheque, em 2003 o volume de cheques pré-datados aumentou 47%. De janeiro a abril de 2004, o crescimento já é de 7,40 %. Os cartões podem até estar ganhando clientes, mas daí a acabar com o cheque pré-datado é uma outra história.
 
 

Rubens Filinto da Silva

Rubens Filinto da Silva

É Vice-Presidente do Sinfac-MS. Ex-Presidente do Sinfac-MS. Ex-Vice Presidente Regional da Anfac. Diretor-Presidente do Grupo Hedge. Professor. Palestrante. Autor dos Livros: As Garantias Reais e Pessoais no Factoring, A Cobrança e a Recuperação de Recebíveis no Factoring, A Análise de Crédito para Empresas de Factoring, Chega de Inadimplência, 200 Dicas de Cobrança, Líder Empresarial Gazeta Mercantil/Fórum de Líderes/2007, Integrante do Fórum de Líderes Empresariais, Integrante do Fórum Novos Líderes, Conselheiro da AACC - Associação dos Amigos da Criança com Câncer.