TJPR - CHEQUE EM BRANCO - INOPONIBILIDADE

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. APELANTE QUE PRETENDE DESCONTITUIR CHEQUE PORQUE O ASSINOU EM BRANCO E ENTREGOU A TERCEIRO. PRINCÍPIOS DO REGIME CAMBIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTITUIÇÃO DO TÍTULO. ABSTRAÇÃO E INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS A TERCEIROS DE BOA-FÉ. O cheque, título de crédito que é, obedece ao regime cambiário, o qual é orientado pelos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia, bem como pelos subprincípios deste, quais sejam,abstração e inoponibilidade de exceção a terceiro de boa-fé. De tal modo, aquele que assina cheque em branco e deliberadamente entrega a parente próximo, não pode pretender esquivar-se da obrigação sob os argumentos de que não tinha conhecimento do valor preenchido no título e de que não se beneficiou dos valores advindos com o desconto de tal cártula perante a empresa de factoring. RECURSO NÃO-PROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 644.176-9 – DA 16ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CURITIBA  
APELANTE: ELAINE PERES TOLEDO
APELADA: SAFE FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA.
RELATOR: DES. HAYTON LEE SWAIN FILHO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 644.176-9, da 16ª Vara Cível de Curitiba, em que é apelante ELAINE PERES TOLEDO e é apelada SAFE FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA.  

Trata-se de recurso de apelação da sentença que rejeitou os embargos à monitória e constituiu de pleno direito o título executivo extrajudicial em face da apelante. Inconformada, a embargante apelou argumentando que entregou cheque em branco assinado a seu cunhado, a qual o preencheu, sem que da importância do título tivesse conhecimento. Diz que a responsabilidade pelo valor cobrado é de seu cunhado, Pedro, o qual em audiência de instrução e julgamento assumiu, em seu depoimento, responsabilidade pela dívida. Aduz, ainda, não ter se beneficiado do valor obtido por meio do desconto deste título perante a empresa de factoring apelada.

A apelação foi recebida (fl.104), com a determinação de intimação das partes recorridas para resposta.

Em contra-razões a empresa apelada defendeu a sentença e pugnou pela sua manutenção.

Assim vieram os autos a esta Corte.

É O RELATÓRIO.

Conheço do recurso, eis que preenche os requisitos para a sua admissibilidade.

Cuida-se o caso de cheque emitido pela embargante em branco em favor de seu cunhado, título que foi preenchido sem que o valor tivesse sido informado à emissora e sem que ela se beneficiasse dos valores obtidos com seu desconto perante a empresa de factoring.

Pois bem. Em que pese o conteúdo dos argumentos desenvolvidos pela autora, a sentença deve ser mantida.

Isso porque o cheque, título de crédito que é, obedece ao regime cambiário, o qual é orientado pelos princípios da cartularidade, literalidade e autonomia, bem como pelos subprincípios deste, quais sejam, abstração e inoponibilidade de exceção a terceiro de boa-fé.

Segundo o subprincípio da abstração, quando posto em circulação o título de crédito, não é possível ao devedor furtar-se ao seu cumprimento.

Já de acordo com o subprincípio da inoponibilidade de exceções pessoais em face de terceiros de boa-fé, não pode o devedor emitente do cheque argumentar, perante o detentor do título, defesa que guarda relação a outras pessoas que participam da cadeia de transmissão do crédito.

Vale dizer, como regra geral, são inoponíveis as exceções pessoais decorrentes da relação negocial subjacente entre o emitente do título e o endossante, em face do terceiro de boa-fé, só podendo ser afastadas quando presentes sérios indícios de que a obrigação foi demonstrada a má-fé do possuidor do título.

Pertinente para esclarecer a questão, a doutrina de Rubens Requião (Curso de Direito Comercial, Rubens Requião, Saraiva, 1985, vol. 02, p. 300. Leia-se o seguinte trecho:

O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé, plena garantia e segurança na sua aquisição. É necessário que na circulação do título, aquele que o adquiriu, mas não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que nenhuma surpresa lhe venha perturbar o seu direito de crédito por quem com ele esteve na relação direta. O título deve, destarte, passar-lhe às mãos purificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas mãos do novo credor.

Se todavia, o adquirente do título agir de má fé, estando, por exemplo, conluiando com o portador anterior, a fim de frustar o princípio da inoponibilidade da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem o direito de opor-lhe a defesa que teria contra o antecessor.

Aplicando essas ideias ao caso concreto, tem-se que não pode a Sra. Elaine furtar-se ao pagamento do cheque que assinou em branco e deliberadamente entregou a seu cunhado porque não tinha conhecimento de seu valor e porque não se beneficiou dos valores advindos com o desconto perante a apelada. Como bem observou o Juiz sentenciante, “Elaine assumiu os riscos inerentes a emissão do título, e pouco importa ter sido em branco. Não ter se beneficiado dos valores obtidos com o desconto dos cheques também não lhe favorece (...). Não é elemento jurídico a obstar o crédito saber ou não dos valores que foram preenchidos, sua responsabilidade decorre da própria assinatura do cheque” (fl.82).

De tal modo, e não se verificando sérios indícios de que a obrigação foi constituída em flagrante desrespeito ao sistema jurídico, isto é, que ela teve como origem obrigação ilícita, e nem demonstrada a má-fé do endossatário – não sendo suficiente o fato de a emitente do cheque haver assinado o título em branco e, portanto, sem o valor, porque o fez livremente, e o entregou a pessoa de sua confiança, nem tampouco por não ter ela se beneficiado dos valores advindos do desconto da cártula e muito menos o fato de o seu cunhado haver assumido a dívida em declarações feitas na audiência de instrução e julgamento -, integralidade, inclusive quanto aos ônus de sucumbência.

Por estas razões, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para no mérito negar-lhe provimento, mantendo-se a sentença em sua integralidade, inclusive quanto ao ônus da sucumbência.

O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador HAMILTON MUSSI CORRÊA (sem voto) e dele participaram o Senhor Juiz de Direito Substituto de Segundo Grau JURANDYR REIS JUNIOR e a Senhora

Juíza de Direito Substituta de Segundo Grau ELIZABETH M. F. ROCHA.
Curitiba, 27 de janeiro de 2010.
HAYTON LEE SWAIN FILHO
DESEMBARGADOR RELATOR