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Gestão desafiadora gera satisfação no trabalho

São muito comuns pesquisas que mostram como as pessoas, no geral, sentem-se insatisfeitas com o trabalho que fazem. Uma das mais recentes, feita pela Isma Brasil (International Stress Management Association), concluiu que cerca de 72% das pessoas entrevistadas não estavam felizes com a atividade que realizavam cotidianamente.

Trata-se, evidentemente, de um grande problema para as empresas, pois  quem trabalha insatisfeito obviamente trabalha pior. Geralmente, atua desconcentrado, desanimado, não demonstra energia nem boa vibração, muito menos entusiasmo, comprometimento e interesse em propor melhorias, características tão necessárias para se fazer um bom trabalho no dia a dia.

Claro que esse fenômeno tem causas das mais variadas, existindo inúmeros estudos que tentam entender os aspectos que levam a essa situação. A clássica teoria de Herzberg já apontava o conteúdo do trabalho em si, seu significado e o quanto ele é desafiador como fatores mais importantes para a motivação dos trabalhadores, sobrepondo-se aos outros, classificados por ele como “higiênicos”. A remuneração, por exemplo, está nesse último grupo. Ela precisa estar acima de um mínimo, mas não é ela que vai gerar um desempenho diferenciado.

Essa e outras teorias são conhecidas há décadas. Vendo os elevados e constantes índices de pessoas insatisfeitas com o trabalho, uma pergunta que podemos fazer é: até que ponto o estilo tradicional de gestão tem contribuído para perpetuar e até mesmo agravar essa insatisfação? Que tipo de gestão poderia contribuir para reduzir esse desgosto no trabalho?

No fundo, companhias com sistemas tradicionais de gestão são terrenos absolutamente férteis para gerar trabalhadores infelizes com o trabalho que fazem. Já na gestão enxuta, no sistema lean, há uma série de outros conceitos, ferramentas e atitudes cultivados pela gestão que geralmente provocam justamente o contrário: a satisfação com o trabalho.

Isso ocorre por uma série de fatores. Um deles, certamente, é que na gestão tradicional, há uma ênfase muito grande em culpar pessoas. Você certamente já fez algo errado no trabalho – todos fazemos, pois ninguém é perfeito o tempo todo. E provavelmente você sentiu aquela sensação ruim e incômoda de estar sendo alvo de culpa, principalmente por lideranças tradicionais, que adoram apontar o dedo para encontrar culpados.

É evidente que esse tipo de procedimento gera profissionais que fazem de tudo para esconder qualquer tipo de erro que por ventura possam cometer. Aquela coisa de varrer a sujeira para debaixo do tapete que todos nós já vimos. Com isso, os problemas quase nunca aparecem, e suas causas raízes nunca ficam claras. E como consequência, gente que trabalha nesse tipo de sistema tende a ficar insatisfeita, sempre com medo, sempre se esquivando, sempre evitando as chefias, entre outras atitudes ruins, e quase nunca chamando a responsabilidade para si.

Já numa gestão lean, os comportamentos devem ser outros. Em vez buscar os culpados, nesse modelo de gestão, o líder deve procurar as falhas nos processos para encontrar as causas raízes e resolvê-las. Para isso, ao contrário do que ocorre na gestão tradicional, estimula-se a pessoa a revelar erros, pois essa é a primeira condição necessária para consertá-los. Claro que isso provoca uma revolução em termos de resolução de problemas na organização. E, via de regra, também deixa as pessoas mais à vontade, sem medo da culpa, sem receio de assumir responsabilidades e de falar o que pensam. Portanto, mais satisfeitas.

Outro fator que gera insatisfação na gestão tradicional é que os colaboradores geralmente não sabem claramente por que fazem o trabalho que realizam. Simplesmente fazem, mecanicamente, porque alguém determinou que fizessem. O trabalhador, então, não sabe com clareza o propósito daquele trabalho. Como se isso não bastasse, ele não é estimulado a ter visão crítica sobre a atividade que faz. Ninguém quis saber sua opinião. Não tem o menor estímulo para pensar melhorias para o próprio trabalho que ele realiza diariamente, que o torne melhor para si e para as outras pessoas, em especial para os clientes. É evidente que esses também são todos fatores que empobrecem a felicidade no trabalho.

Já no sistema lean, a atitude requerida é totalmente outra. As pessoas devem entender o propósito de seus trabalhos. Podem participar de seus planejamentos e idealizações. Com isso, elas poderão saber de forma melhor que aquela atividade faz sentido e que aquele trabalho cria valor para os clientes, para a organização e para ela. Mais do que isso, na gestão lean, os trabalhadores precisam ser constantemente estimulados pelas lideranças a olharem suas atividades com visão crítica. Devem fazer isso para revelar problemas, buscar causas raízes e soluções que eliminem os desperdícios e agregem mais valor aos clientes. Fazem isso sempre estimulados por metas reais, mas desafiadoras, que as façam melhorar o que fazem cotidianamente. Assim, são mais autônomas, mais conscientes de si próprias. Sentem-se participantes intergrais, com inteligência, contribuindo com ideias para melhorar os processos dos quais participam. Sabemos que tudo isso gera, sim, satisfação no trabalho.

Esses são alguns fatores em termos de gestão que podem provocar satisfação ou insatisfação. Evidentemente que há outros. Portanto, ao perceber que seu funcionário não está satisfeito no trabalho e que isso está trazendo problemas para a empresa, faça uma reflexão. Trocá-lo pode não adiantar. É provável que o problema não esteja nele, mas, sim, na forma de gestão da companhia.

*Flávio Picchi é presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

http://epocanegocios.globo.com/colunas/Enxuga-Ai/noticia/2017/08/gestao-desafiadora-gera-satisfacao-no-trabalho.html