Economia

Empresa Simples de Crédito - Por Felipe de Freitas Ramos

Foi publicada em 25 de abril a LC nº 167/2019, que cria a ESC, com o objetivo de expandir a oferta de crédito para os pequenos e microempresários, que se ressentem da indisponibilidade, pelas instituições financeiras, de linhas de financiamento específicas para o segmento.

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae, 20% das pequenas e microempresas tiveram seus pedidos de empréstimo negados pelas instituições financeiras. Deste percentual, 21% teriam se dado pela inexistência de linhas de créditos próprias para esse empresário. Considerando que mais de 90% dos estabelecimentos comerciais são de micro e pequenas empresas, que geram 52% dos empregos com carteira assinada, a expansão do crédito para esta categoria empresarial se mostra salutar.

A lei estabelece o arcabouço jurídico para a constituição e funcionamento das ESC, cabendo uma especial atenção a alguns pontos. O art. 2º impõe que as ESC adotem, obrigatoriamente, a forma de Eireli, empresário individual ou de sociedade limitada - sendo certo nesta última, o capital deverá ser formado exclusivamente por pessoas físicas. Já o parágrafo 4º do art. 2º do diploma prevê que uma mesma pessoa física só poderá participar do capital de uma ESC.

Como não estão sujeitas à autorização do Banco Central, é salutar a preocupação do legislador em limitar a atuação das mesmas

Com isso, espera-se criar uma infraestrutura legal que tenha como efeito estimular a disponibilidade de crédito em modalidade "peer-to-peer", de modo a incentivar pessoas físicas, isoladamente ou em sociedade, a disponibilizar recursos próprios para o fomento das atividades das micro e pequenas empresas, suprindo uma demanda hoje não explorada de forma suficientemente adequada pelos grandes bancos.

A ratio da norma é estimular pessoas físicas, por meio de regramento legal, a mutuar recursos próprios a determinado segmento da economia que se ressente de linhas de crédito mais adequadas, recebendo em troca de remuneração atrativa. Sobre esse aspecto é importante ressaltar que o art. 5º, §4º, da lei estabelece que as ESC não estão sujeitas às limitações na cobrança de juros impostas pela Lei nº 22.626/1922 e pelo Código Civil. Ou seja, tais empresas estão autorizadas a livremente estabelecer as taxas de juros que entenderem mais apropriadas. Quanto maior a quantidade de ESC, maior a disponibilidade do crédito e melhores serão as condições do financiamento ofertado. É o que se espera.

Com este propósito, a norma limita os tipos societários habilitados a explorar tais atividades, vedando que uma mesma pessoa física participe de mais de uma sociedade limitada operando enquanto ESC. Como seu funcionamento não está sujeito à autorização do Banco Central, é salutar a preocupação do legislador em limitar a atuação das mesmas, notadamente quanto ao volume de créditos concedidos, mitigando, assim, concentração econômica e riscos sistêmicos. A ideia passa por dissipar a oferta de recursos, de modo a prevenir a formação de conglomerados financeiros cujo funcionamento não esteja sujeito às normas da autarquia.

As ESC deverão ter seu capital social integralizado exclusivamente em moeda corrente nacional, com recursos próprios de seus sócios, vedada a captação de recursos, em nome próprio ou de terceiros. O valor dos empréstimos e financiamento concedidos por tais sociedades estará limitado ao montante de seu capital social, e o montante da receita bruta anual estará limitado ao teto de receita das EPP. Indubitavelmente, a norma busca criar ambiente legal que fomente a oferta dispersa de crédito, de modo que às leis econômicas de demanda e oferta se encarreguem de regular as melhores taxas de juros de financiamento oferecidos aos micro e pequenos empresários.

Ocorre que, com o advento da IN 38/17, o DREI passou a admitir que pessoas jurídicas não apenas possam constituir EIRELIs, como, também, participar de mais de uma - diferentemente do que ocorre com tais sociedades constituídas por pessoas físicas, onde o art. 980-A, §2º, do Código Civil veda que uma mesma pessoa participe de mais de uma empresa desta modalidade. Assim, pessoas jurídicas estariam autorizadas a constituir mais de uma EIRELI para exercício das atividades circunscritas às ESC, na medida em que o texto do art. 2º, §4º, da Lei limita participação de pessoa física a uma única sociedade de crédito quando esta se revestir da forma de sociedades limitadas.

A norma abre relevante brecha para que, por exemplo, duas ou mais pessoas físicas participem de sociedade limitada que, por sua vez, constitua diversas ESC em forma de EIRELIs, frustrando, assim, o propósito da norma de estimular o desenvolvimento de um ambiente de livre concorrência em relações peer-to-peer, através de mecanismos que mitiguem a concentração da oferta de crédito em poucos agentes. Será a Lei capaz de fomentar a expansão do crédito aos pequenos empresários, através da inserção de pessoas físicas enquanto mutuantes da atividade econômica? As regras impostas serão suficientes para evitar a concentração do crédito a tais empresários? O tempo responderá.

Felipe de Freitas Ramos é membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-RJ, advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo e sócio do escritório AFGS - Abreu, Freitas, Goulart & Santos Advogados.

Fonte: Valor

http://www.fintechspress.com/10-credito/2071-empresa-simples-de-credito-por-felipe-de-freitas-ramos