TJSC - INCIDÊNCIA DE FATOR DE COMPRA E NÃO JUROS REMUNERATÓRIOS - APLICAÇÃO CDC

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C PEDIDO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, NULIDADE DE ATO JURÍDICO E DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. INCIDÊNCIA NOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL QUANDO O FATURIZADO NÃO INSERE O PRODUTO DA RELAÇÃO NEGOCIAL DIRETAMENTE NA CADEIA DE PRODUÇÃO. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS E CAPITALIZAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS COM RELAÇÃO AO CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL (FACTORING). AJUSTE QUE PREVÊ A INCIDÊNCIA DA TAXA DE DESÁGIO. ESTIPÊNDIO QUE, POR SER FORMADO POR DIFERENTES CRITÉRIOS E FATORES, NÃO SE CONFUNDE COM OS JUROS REMUNERATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO DECISUM SOMENTE COM RELAÇÃO À RENEGOCIAÇÃO DOS TÍTULOS DEVOLVIDOS, A QUAL ABARCOU JUROS ACIMA DO LIMITE LEGAL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. DECADÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DIREITO AUTÔNOMO DE NATUREZA ALIMENTAR. LEI ESPECIAL (ART. 23 DA LEI N. 8.906/1994). VEDAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Apelação Cível n. 2011.102872-8, de Joinville
 
Relator: Des. Subst. Altamiro de Oliveira
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C PEDIDO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, NULIDADE DE ATO JURÍDICO E DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ.
 
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. INCIDÊNCIA NOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL QUANDO O FATURIZADO NÃO INSERE O PRODUTO DA RELAÇÃO NEGOCIAL DIRETAMENTE NA CADEIA DE PRODUÇÃO. PRECEDENTES.

JUROS REMUNERATÓRIOS E CAPITALIZAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS COM RELAÇÃO AO CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL (FACTORING). AJUSTE QUE PREVÊ A INCIDÊNCIA DA TAXA DE DESÁGIO. ESTIPÊNDIO QUE, POR SER FORMADO POR DIFERENTES CRITÉRIOS E FATORES, NÃO SE CONFUNDE COM OS JUROS REMUNERATÓRIOS. MANUTENÇÃO DO DECISUM SOMENTE COM RELAÇÃO À RENEGOCIAÇÃO DOS TÍTULOS DEVOLVIDOS, A QUAL ABARCOU JUROS ACIMA DO LIMITE LEGAL.
 
ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. DECADÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DIREITO AUTÔNOMO DE NATUREZA ALIMENTAR. LEI ESPECIAL (ART. 23 DA LEI N. 8.906/1994). VEDAÇÃO DE OFÍCIO.
 
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.102872-8, da comarca de Joinville (2ª Vara de Direito Bancário), em que é apelante Nova América Factoring Ltda., e apelada Pati Nicki Confecções Ltda.:
 
A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 14 de agosto de 2012, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. José Carlos Carstens Köhler.
 
Florianópolis, 14 de agosto de 2012.
 
Altamiro de Oliveira
 
Relator

RELATÓRIO
 
Nova América Factoring Ltda. apelou da decisão que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na ação de revisão de contrato cumulada com pedido de inexistência de débito, nulidade de ato jurídico e de repetição de indébito, ajuizada por Pati Nicki Confecções Ltda.
 
A sentença acolheu parte dos pedidos para permitir a revisão do contrato de fomento mercantil (factoring) a fim de: a) limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano; b) vedar a capitalização dos juros; c) adotar o INPC para a correção monetária; d) determinar a repetição do indébito na forma simples e acrescidos de correção monetária de acordo com a tabela da CGJ/TJSC, desde a data do pagamento indevido, autorizada a compensação com o saldo devedor. Os encargos sucumbenciais foram distribuídos de forma pro rata e os honorários fixados no importe de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com cada parte, em vista da compensação, ficando responsável pelo pagamento da verba para seu patrono.

Em suas razões recursais, a apelante sustentou que não são aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso sub judice, pois a relação havida entre as partes é de cunho exclusivamente comercial, já que a apelada confessou que utilizou os valores objeto do contrato de faturização para implementar suas atividades comerciais e, portanto, não é destinatário final do produto.

Defendeu, ainda, que não há incidência de juros remuneratórios nos contratos de factoring, uma vez que a remuneração é realizada através do fator de compra, como ficou expressamente previsto no item 1.3. do instrumento alocado às folhas 131-136, de forma que não é possível discutir juros remuneratórios e a sua capitalização, sobretudo porque tais estipêndios são formados por diferentes fatores.
 
Destacou, ainda, que a sentença foi omissa, pois não delimitou a partir de quando se daria a revisão, se desde a celebração do contrato de faturização (início das operações) ou a partir do débito representado nas notas promissórias entregues para liquidar as duplicatas anteriormente negociadas por força daquele ajuste. Nesse viés, pleiteou que a revisão seja fixada a partir da confissão da divida (duplicatas viciadas) e das notas promissórias a ela vinculadas.
 
Embora devidamente intimada, a apelada não apresentou contrarrazões ao recurso (fl. 219).
 
Posteriormente, sobreveio petitório da apelante requerendo que fosse determinada a expedição de ofício ao tabelionato de notas e protestos de títulos para o restabelecimento dos protestos das notas promissórias objeto dos presentes autos (fl. 217).

VOTO
 
Trata-se de recurso de apelação interposto com o desiderato de reformar a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos veiculados por meio da Ação de Revisão de Contrato cumulada com Pedido de Inexistência de Débito, Nulidade de Ato Jurídico e de Repetição de Indébito n. 038.04.052948-4.
 
Inicialmente, é oportuno destacar que esta Corte adota a Teoria Finalista Mitigada e entende que o faturizado é destinatário final quando não insere o produto da relação negocial (capital) diretamente na cadeia de produção, a exemplo do ocorre no caso em apreço, em que o objeto social da apelada consiste na exploração do ramo de artigos do vestuário, conforme se infere do contrato social anexado à peça inicial.
 
Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados desta Câmara julgadora:
 
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA ORIUNDO DE OPERAÇÃO DE RECOMPRA DE TÍTULOS. INSTRUMENTO DE FOMENTO MERCANTIL. SENTENÇA QUE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS VAZADOS NO PÓRTICO INAUGURAL. IRRESIGNAÇÃO DOS EMBARGANTES.
 
[...]
 
MÉRITO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO CONFORME A TEORIA FINALISTA ATENUADA. INCIDÊNCIA AO CONTRATO DE FACTORING.Pacta sunt servanda. FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO EM DECORRÊNCIA DO CÓDIGO CONSUMERISTA. VIABILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE OFÍCIO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INÉRCIA DA JURISDIÇÃO E DISPOSITIVO (Apelação Cível n. 2009.002137-9, de Jaraguá do Sul, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. 20-3-2012).
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CRÉDITO FIRMADO COM EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL - FACTORING.
 
INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). É inquestionável, pela natureza do vínculo e da prestação de serviço, a aplicabilidade do CDC aos contratos firmados com empresas de factoring (Apelação Cível n. 2007.027996-7, de São José, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 28-7-2009).
 
E desta Corte:
 
PRETENSÃO DA DEVEDORA DE APLICABILIDADE DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL - TÍPICO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - FATURIZADO EVIDENTE DESTINATÁRIO FINAL - EXEGESE DO DISPOSTO NO ART. 2º DO CDC - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS QUE DERAM ORIGEM AO INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDAS - RECURSO PROVIDO.
 
O fomento mercantil (factoring), por ser um típico contrato de prestação de serviços, e não um mero contrato de aquisição de direito creditórios, apresenta-se como destinatário final a figura do comerciante, a teor do art. 15, § 1º, III, alínea \'d\', da Lei n. 9.249/95, acompanhando, dessa forma, a teoria finalista aprofundada, onde o faturizado é o destinatário final do serviço oferecido pelo faturizador, atendendo à definição de consumidor do art. 2º do CDC (Apelações Cíveis n. 2003.011493-9, 2003.029622-0 e 2003.030397-9, de Criciúma, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, DJ. 30-1-2009).
 
AÇÃO REVISIONAL DE OPERAÇÕES DE FACTORING. INCIDÊNCIA DO CDC ADMITIDA. FALTA DE CLAREZA DOS CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR EFETIVAMENTE EMPREGADOS NA RECOMPRA DOS TÍTULOS. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR. VERBA, PORÉM, QUE NÃO SE CONFUNDE COM A "TAXA DE DESCONTO", DE LEGALIDADE INDISCUTÍVEL, POIS INERENTE AO NEGÓCIO. SUBSTITUIÇÃO DOS CRITÉRIOS EMPREGADOS NAS OPERAÇÕES DE RECOMPRA DOS TÍTULOS POR JUROS SIMPLES DE 12% AO ANO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO QUE SE ADMITE NA FORMA SIMPLES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. PLEITO INAUGURAL JULGADO PROCEDENTE EM PARTE (Apelação Cível n. 2005.021311-4, de Criciúma, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 9-11-2009).
 
Portanto, mostra-se irrepreensível a sentença que reconheceu se tratar de consumo a relação travada entre os litigantes.

Superado esse ponto, observa-se que a apelante sustenta a impossibilidade da revisão dos juros remuneratórios, dado que não há a incidência desse encargo nos contratos de fomento mercantil, mas tão somente da taxa de deságio, que é calculada com base no fator de compra.
 
De fato, ao perscrutar o contrato de faturização encartado às folhas 131-136, não se constata a pactuação de juros remuneratórios, uma vez que foi ajustada, em decorrência da prestação de serviços, a cobrança de comissão variável de 0,25% até 3,00% sobre o valor de face de cada título ou borderô apresentado, de acordo com o item 1.5 do ajuste.
 
Nesse sentido, sabe-se que, nos contratos típicos de fomento mercantil "a faturizadora realiza cobrança da taxa de deságio pela atividade exercida, que compreende não só a remuneração pelo serviço, mas também o risco da operação e seus custos" (Apelação Cível n. 2007.065102-8, de São João Batista, rel. Des. José Inácio Schaefer, j. 20-7-2010), que, embora possa ser composta de juros remuneratórios, em razão da natureza do negócio e outras circunstâncias, agrega outros fatores na sua formação, de modo que é inviável o balizamento do estipêndio como se juros remuneratórios fossem.
 
A respeito, traz-se à colação esclarecedora lição de Arnaldo Rizzardo:
 
Ao desembolsar uma importância em cifra apta para atender a necessidade do faturizado, fica inseguro quanto aos entraves que poderão advir no futuro. Há sempre, um percentual de devedores que resta inadimplente, obrigando o ingresso de pedido de cobrança na justiça, o que acarreta considerável atraso na satisfação do crédito, ou a completa impossibilidade em razão da insolvência, da impenhorabilidade dos bens, da não-localização do devedor ou de patrimônio penhorável.

Por conseguinte, este rol de dificuldades, e mesmo a preocupação da possibilidade de sua ocorrência, impõe admitir uma compensação, que não satisfaz com a taxa de juros, ou mesmo, a exigência de despesas operacionais. Trata-se de contraprestação pela garantia contra o risco de inadimplência, bem como do pagamento pela atividade de gestão do crédito. Já os juros remuneratórios representam o rendimento do capital pelo espaço de tempo compreendido desde o pagamento até a data do recebimento do valor do título. Sequer, a rigor, podem ser exigidos separadamente, já que não constitui o factoring um mútuo. Não equivalendo esta figura a um adiantamento, e nem ao desconto, pois considerada uma compra, paga o factor o valor da mercadoria, a qual consiste em um título de crédito. Daí a aferição do preço levando em conta vários fatores, ou a qualidade da res ou do bem negociado. Por outras palavras, examinam-se o crédito negociado, as possibilidades de não ser recebido, a dificuldade em cobrá-lo, o padrão econômico dos devedores, seu suporte patrimonial, a sua localização, dentre outras circunstâncias.

[...]
 
Mais complexo é o estudo dos componentes da comissão que vem a ser diferencial ou spreed entre o valor constante do título e aquele efetivamente recebido pelo faturizado.
 
Ao estabelecer a taxa de remuneração, leva o faturizador em conta os seguintes fatores:
 
a) a correção monetária entre a data da entrega do numerário e a data do vencimento, seguindo-se sempre os índices vigentes no País, e diariamente conhecidos;
 
b) a taxa de juros permitida. Normalmente, as companhias que atuam no setor incluem, para efeitos de cálculo da comissão, os mesmos juros pagos aos bancos pelos contraentes de empréstimos ou de abertura de crédito. Não a taxa que o banco oferece. Reafirma-se, no entanto, que, no contrato, os juros ficam embutidos na comissão, e nem aparece sua menção.
 
c) a taxa de risco inclui-se na relação determinante do preço cobrado. Não bastam os juros para remunerar, eis que suporta o titular da empresa um grau de risco bastante elevado, superior ao dos bancos. Atua, pois, um elemento a mais que na intermediação desenvolvida pelos bancos;
 
d) os custos operacionais, ou despesas para manter a empresa, como salários, material, contribuições sociais etc;
 
e) o montante de impostos, no caso ISS, Imposto de Renda, PIS, Contribuição Social.
 
Obviamente, tais custos ingressam na composição da verba remuneratória.
 
Por isso, fica difícil, se não impossível, uma revisão dos encargos embutidos no contrato, que, olvidando a natureza da remuneração e de seus componentes, alguns buscam, por caminho oblíquo, a redução da taxa de juros. A matéria já foi objeto de exames pelos tribunais, como pelo do Rio Grande do Sul, em um processo no qual se insurgiu o faturizado contra a taxa que denominou de juros. A Câmara entendeu que a empresa que recebeu os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados, como acontece em qualquer atividade. O pagamento dessa remuneração é chamado de deságio. É óbvio que não cabe impugnar o direito à parcela correspondente ao deságio. Se aufere vantagem, com a disponibilidade imediata do dinheiro, obteve benefício.
 
O deságio é calculado em face da natureza do negócio, do risco e outras circunstâncias, razão pela qual leva a se distanciar a empresa de factoring da instituição financeira. Não se inclui tal empresa no âmbito do Sistema Financeiro Nacional: "Ação de revisão contratual. Contrato de factoring. Deságio. Não cabe a pretensão revisional de juros relativamente a contratos de factoring, que não se constitui em negócio jurídico bancário, atento a que o deságio não representa, exclusivamente taxa de juros (Factoring. 3. Ed. Rev. Atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 136-138).
 
Sobre o tema, complementa Fábio Ulhoa Coelho:
 
As faturizadoras não podem cobrar juros superiores ao limite da lei (CC, arts. 406 e 591) enquanto não se considerem instituições financeiras. Podem, evidentemente, cobrar pelos serviços de administração e seguro de crédito o preço que quiserem, fato que conduz à seguinte questão: como distinguir juros usurários legalmente proibidos do preço dos serviços de fomento: A solução encontra-se na distinção entre a faturização e a agiotagem [...]
 
Se encontrados os elementos de caracterização empresarial de fomento mercantil, sempre serão devidos os preços dos serviços, e como para esses não há limitação legal nenhuma, resulta inaplicável o limite do Código Civil (Curso de direito comercial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3, p. 145-146).

Portanto, pelos motivos acima destacados, é de se reformar a sentença para julgar improcedente o pedido para revisão dos juros remuneratórios e afastamento da capitalização do contrato de formento mercantil celebrado entre os litigantes, já que a remuneração da espécie é realizada por meio da taxa de deságio, verba distinta da adotada nos contratos de mútuo.
 
Nessa direção, já decidiu esta Câmara julgadora:
 
REVISIONAL. Contrato de factoring. Relação de consumo. Taxa de deságio. Natureza diversa de juros remuneratórios. Limitação. Inviável.
 
Nos contratos de factoring, a taxa de deságio compreende não só a remuneração da faturizadora, mas também o risco da operação e seus custos, razão pela qual inviável limitação ao patamar da Lei da Usura (Apelação Cível n. 2006.023145-2, de Ibirama, rel. Des. José Inácio Schaefer, j. 2-2-2010).
 
Ainda deste Sodalício:
 
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA ORIUNDA DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. NEGÓCIO QUE FOI SUBSCRITO PELA CREDORA, PELA DEVEDORA, PELOS GARANTIDORES E POR 2 (DUAS) TESTEMUNHAS. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ARTIGO 585, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. MATÉRIA DEBATIDA QUE NÃO RECLAMA A PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS. POSSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DAS ILEGALIDADES APONTADAS NO PACTO RENEGOCIADO. SÚMULA N. 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO NEGÓCIO CELEBRADO ENTRE FATURIZADORA E FATURIZADA. PRECEDENTES DA CORTE. VALIDADE DA CLÁUSULA DO CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL QUE PREVÊ A RECOMPRA PELA FATURIZADA DOS TÍTULOS CEDIDOS À FATURIZADORA, QUANDO DEMONSTRADO O VÍCIO DE ORIGEM. CASO CONCRETO EM QUE O VÍCIO FOI COMPROVADO PELA AFIRMAÇÃO CONTIDA NO PACTO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA, DE QUE OS TÍTULOS NEGOCIADOS NÃO FORAM PAGOS PELOS DEVEDORES POR UM "PROBLEMA DE DEVOLUÇÃO DE MERCADORIAS". SITUAÇÃO QUE NÃO DESCARACTERIZA O CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL PARA UMA OPERAÇÃO DE DESCONTO BANCÁRIO. CESSÃO DE TÍTULOS SEM ORIGEM QUE É SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR A RESPONSABILIZAÇÃO DIRETA DA FATURIZADA. JUROS REMUNERATÓRIOS E SUA CAPITALIZAÇÃO INEXISTENTES EM OPERAÇÃO DE FOMENTO MERCANTIL TÍPICA. SIMPLES COBRANÇA DE DESÁGIO PELA FATURIZADORA. PACTUAÇÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA COM BASE NO ÍNDICE IGPM/FGV. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. MULTA CONTRATUAL PACTUADA NO VALOR DE 10% (DEZ POR CENTO). REDUÇÃO AO LIMITE IMPOSTO PELA LEI N. 9.298, DE 1º.8.1996, AO CONTRATO FIRMADO NA SUA VIGÊNCIA. JUROS DE MORA QUE SÃO CONTADOS DA DATA DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSITIVA E LÍQUIDA. ARTIGO 397 DO CÓDIGO CIVIL. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA AFASTADA EM FACE DO INADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA OBRIGAÇÃO. EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL VENCIDA EM PARTE MÍNIMA. INCIDÊNCIA DA REGRA ENCONTRADA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 21 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO INTERPOSTO PELA EMBARGADA PROVIDO EM PARTE E APELO DA EMBARGANTE DESPROVIDO.
 
[...]
 
5. A remuneração da faturizadora não se confunde com a cobrança de juros, pelo que fica superada qualquer discussão envolvendo a limitação do encargo à taxa de 12% (doze por cento) ao ano e, muito menos, a vedação da sua cobrança de forma capitalizada (Apelação cível n. 2008.061548-9, de Indaial, rel. Des. Jânio Machado, j. 31-5-2012, grifou-se).
 
APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. ALEGAÇÃO DE FIXAÇÃO DE JUROS DE FORMA CAPITALIZADA E ACIMA DO LIMITE LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE CONTRATUAL QUE NÃO PREVÊ A INCIDÊNCIA DE JUROS. COBRANÇA DE COMISSÃO PELA CESSÃO ONEROSA DE CRÉDITO (DESÁGIO). NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS RECHAÇADA. AFASTAMENTO DA MULTA APLICADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 17 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Cível n. 2007.046736-6, de Laguna, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 27-6-2011, grifou-se).
 
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL E POSTERIOR CONFISSÃO DE DÍVIDA. EXTINÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À OPERAÇÃO DE FACTORING. CREDORA QUE TROUXE AOS AUTOS O CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL E AS DUPLICATAS ATESTANDO O NEGÓCIO SUBJACENTE. CASSAÇÃO DA SENTENÇA PROLATADA PELA TOGADA A QUO. APRECIAÇÃO DO MÉRITO POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. EXEGESE DO ART. 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% AO ANO. IMPOSSIBILIDADE. RECOMPRA DE TÍTULOS PELA FATURIZADA. LICITUDE DA OPERAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA APTA A ENSEJAR A INVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. DEMONSTRAÇÃO, DE FORMA ESPECÍFICA E INEQUÍVOCA, DOS ERROS COMETIDOS QUANDO DA ELABORAÇÃO DOS CÁLCULOS PELO CREDOR. INOCORRÊNCIA. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. VERBA SUCUMBENCIAL. REDISTRIBUIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

[...]
 
A remuneração do faturizador não se confunde com a cobrança de juros, pelo que fica superada qualquer discussão envolvendo sua limitação em 12% (doze por cento) ao ano (Apelação Cível n. 2003.025471-4, de Criciúma, Relator Des. Jânio Machado, j. em 23-10-2007).

"O percentual cobrado pelas empresas de factoring para a faturização de cheques adquiridos de clientes seus não se identifica como juros remuneratórios. Trata-se, isso sim, de deságio, cujo percentual não se submete aos limites impostos pela lei de usura e por outros diplomas legais aos juros remuneratórios (Apelação Cível n. 2004.012334-5, de Tubarão, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 12-8-2004)" (Apelação Cível n. 2008.064873-2, de Criciúma, rel. Des. Subst. Stanley da Silva Braga, j. 20-5-2010).
 
Destarte, reforma-se a sentença a fim de rejeitar o pedido para limitação dos juros remuneratórios e afastamento do seu cômputo exponencial no contrato de fomento mercantil entabulado entre os litigantes.
 
Por outro lado, a deliberação de primeiro grau referente aos juros remuneratórios e a capitalização prevalece quanto à renegociação das duplicatas devolvidas (fls. 60-62), pois os títulos somados alcançam o importe de R$ 36.002,20, montante muito inferior à quantia das 9 (nove) notas promissórias emitidas (R$ 5.716,20) para liquidação do débito, que somadas chegam ao valor de R$ 51.445,80.

Portanto, indubitável a inserção de juros na renegociação da dívida, os quais, à toda evidência, foram calculados acima do limite legal, porquanto, ainda que sem maior rigor técnico, ao proceder ao cálculo utilizando o programa disponível no site do Banco Central do Brasil (http://www.bc.gov.br/?calculadora) e com base no número de meses estipulado para o pagamento, montante original da dívida e o valor do pagamento mensal, apurou-se a incidência do percentual 7,8% ao mês. Nesse viés, não é demais lembrar que o encargo encontra sua baliza no art. 591 do Código Civil, já que, como acima ressaltado, as faturizadoras não são instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Por fim, realiza-se pequeno retoque para vedar, de ofício, a compensação dos honorários advocatícios determinada pela sentença. Isso porque o artigo 23 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/1994) afirma que "a prestação de serviço assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência". "A regra estimula a compreensão de que os honorários processuais passaram a ter natureza apenas remuneratória, posto que alheios à esfera de disponibilidade do constituinte" (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil. Roteiros de aula - processo de conhecimento. 2. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 165).
 
Ressalte-se que não se desconhece o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consolidado através do Recurso Especial n. 963.528/PR, todavia esta Câmara ratificou, por meio do reexame da Apelação Cível n. 2011.003992-6, de lavra do eminente Des. Lédio Rosa de Andrade, o entendimento de que, por se tratarem os honorários de direito autônomo dos procuradores, deve ser obstada a sua compensação.
 
O pedido realizado na petição de folha 217 não merece ser acolhido, já que a antecipação dos efeitos da tutela, concedida à folhas 107-108 e confirmada pela sentença, limitou-se a determinar à exclusão do nome da empresa autora dos cadastros de inadimplentes, de modo que não houve qualquer deliberação para sustação/retirada de protestos das notas promissórias em debate, pretensão veículada nas Ações Cautelares n. 038.04.049632-2, 038.04.067378-0 e 038.04.067342-9 e não devolvida neste recurso.

Ante o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe parcial provimento para julgar improcedente o pedido para limitação dos juros remuneratórios e para o expurgo da capitalização desses no contrato de fomento mercantil, e vedar, de ofício, a compensação dos honorários advocatícios.

Gabinete Des. Subst. Altamiro de Oliveira