TJSP - PROTESTO INDEVIDO - DANO MORAL - EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA FACTORING NO PROTESTO INDEVIDO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2013.0000586277

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0211027-07.2011.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Q7 SERVIÇOS E IMPORTAÇÃO LTDA, são apelados ATHENABANCO
FOMENTO MERCANTIL LTDA, HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MULTIPLO e NOBRECEL S A CELULOSE E PAPEL (REVEL). ACORDAM, em 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso, por votação unânime, e de ofício, por maioria de votos, vencido o 3º desembargador, extinguiram o feito em relação à instituição financeira.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAMPOS MELLO (Presidente sem voto), SÉRGIO RUI E FABIO TABOSA. São Paulo, 19 de setembro de 2013. ROBERTO MAC CRACKEN

RELATOR

APELAÇÃO Nº 0211027-07.2011.8.26.0100 SÃO PAULO VOTO Nº 15.666 - LAE 2/10

APELAÇÃO nº 0211027-07.2011.8.26.0100

APELANTE: Q7 SERVIÇOS E IMPORTAÇÃO LTDA

APELADOS: ATHENABANCO FOMENTO MERCANTIL LTDA, HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MULTIPLO E NOBRECEL S A CELULOSE E PAPEL 

COMARCA: SÃO PAULO

VOTO Nº 15.666

ENDOSSO MANDATO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – AUSÊNCIA DE EXCESSO DE PODERES - Ilegitimidade passiva reconhecida. EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL - É parte legítima para figurar no polo passivo, visto que foi quem recebeu o título na condição de endossatária translativa e o enviou à Instituição Financeira mandatária para cobrança. Contudo, não havendo comprovação da má-fé na sua
conduta, mantém-se a improcedência de sua condenação. APELAÇÃO PROTESTO PESSOA JURÍDICA DANO MORAL - Pelo que se verifica dos autos, o protesto indevido foi resultado da conduta irregular da Nobrecel S/A, e não da Athenabanco Fomento Mercantil, não havendo, ademais, comprovação da má-fé desta última.

Aliás, a quitação da duplicata e a irregularidade do protesto foram reconhecidas pela própria ré Nobrecel S/A Nesse contexto, é de rigor o acolhimento do pedido condenatório, notadamente porque, neste caso, o dano moral é presumido, inclusive para pessoa jurídica, que tem sua honra objetiva violada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto em face do teor da r. sentença de fls. 182/184 e fls. 191 (embargos de declaração), que julgou improcedente o pedido.

Irresignada, insurge-se a autora, ora apelante, às fls. 194/217, pugnando pela reforma da r. sentença. Alega em seu favor: que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral e, neste caso, ele é
evidente.


Em contrarrazões de fls. 223/239, a ré Athenabanco Fomente Mercantil, ora apelada, defende sua ilegitimidade passiva e, no mérito, requer a mantença da r. sentença.

O Banco réu, por sua vez, também defende sua ilegitimidade passiva e, no mérito, pugna pela mantença da r. sentença.

Recurso regularmente processado e respondido. Do essencial, é o relatório, ao qual se acresce, para todos os fins próprios, o da r. sentença recorrida.

Em breve síntese, cuida-se de demanda indenizatória por protesto supostamente indevido, cujo pleito compensatório foi julgado improcedente.

De plano, merece acolhimento a preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela Instituição Financeira apelada, visto que recebeu o título por meio de endosso mandato, conforme
confessado pela corré Athenabanco Fomente Mercantil (cf. fls. 122 e 130).

Ademais, neste caso, não se aplica a Súmula nº 476, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, porquanto não foi comprovado o alegado excesso de poderes por parte da Instituição
Financeira apelada.

Com efeito, embora a corré Athenabanco Fomento Mercantil tenha alegado, às fls. 122, que: “determinou ao HSBC, terceiro
 requerido (endossatário-mandatário), a baixa do título em cartório, o que se verifica por meio do e-mail de fls. 36 e também do incluso documento bancário (doc. 6).”, não se constata tal determinação no referido documento e, ademais, o e-mail de fls. 36 foi retirado de conversa eletrônica entre a parte autora e a Athenabanco Fomento Mercantil, não envolvendo a referida Instituição Financeira.

Nessa senda, ao contrário do que ocorre no endosso translativo ou no endosso caução, há inúmeros julgados a sufragar o entendimento de que a Instituição Financeira mandatária não é
parte legítima para figurar no polo passivo das demandas atinentes aos títulos de crédito com endosso-mandato.

Sobre o assunto, a orientação jurisprudencial é a seguinte, a saber: “O endosso-mandato não transfere a propriedade do título ao endossatário, sendo, pois, este, parte ilegítima
para estar em juízo como autor ou réu, uma vez que é simples procurador do endossante (STF-RE 89.417-9 - RS - RTJ 94/765)”

Com o mesmo entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: "Endosso-mandato. O endossatário, tratando-se de endosso-mandato, age em nome do endossante. Não
deve figurar, em nome próprio, em ação de sustação de protesto ou de anulação do título" (REsp. nº 149.365 MG - Terceira Turma - Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO - j. 16.03.00 - DJ de 15.05.00 pág. 157).

"Na linha de precedentes da Corte, a "doutrina e a jurisprudência consolidaram entendimento de que o endosso-mandato, não transferindo a propriedade do título, desqualifica o endossatário-mandatário como parte passiva em ação cautelar para sustação do
 protesto de título" (REsp. nº 140.721 MG - Terceira Turma - Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES
DIREITO - j. 29.06.98 - DJ de 13.10.98 pág. 91).

Na mesma senda, já se pronunciou esta Colenda Vigésima Segunda Câmara de Direito Privado:

“AÇÃO DECLARATÓRIA - DUPLICATA MERCANTIL - SAQUE SEM CAUSA - ENDOSSATÁRIA - LEGITIMIDADE PASSIVA - EXCLUSÃO DO BANCO, MERO MANDATÁRIO - PROTESTO INDEVIDO - DANO MORAL IN RE
IPSA - REDUÇÃO DO MONTANTE - APELAÇÃO DO BANCO PROVIDA, POR VOTAÇÃO UNÂNIME - APELAÇÃO DA ENDOSSATÁRIA PROVIDA EM PARTE, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR SORTEADO.” (Apelação nº
0016172-88.2004.8.26.0224. 22ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Matheus Fontes. J. 30.06.2011)

“DUPLICATA MERCANTIL, DEMANDA DE INDENIZAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAS, COM PEDIDO CUMULADO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO. PROCEDÊNCIA DECRETADA EM 1º GRAU. DECISÃO ALTERADA. AJUIZAMENTO
CONTRA APRESENTANTE DO TÍTULO, QUE O RECEBERA PARA SIMPLES COBRANÇA, POR ENDOSSO MANDATO. EXTINÇÃO DECRETADA POR ILEGITIMIDADE PASSIVA, RECURSO PROVIDO.” (Apelação nº 991.07.090082-6. 22ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Campos Mello. J.02.09.2010)

Por outro lado, é parte legítima para figurar no polo passivo a corré Athenabanco Fomento Mercantil, visto que foi quem recebeu o título na condição de endossatária translativa (cf. fls.
139) e o enviou à Instituição Financeira mandatária para cobrança.

No mérito, com o devido respeito ao entendimento do Douto Magistrado sentenciante, o recurso merece parcial provimento.


Pois bem, desde logo, já se afasta a aplicação da Súmula nº 385, do Colendo Superior Tribunal, porquanto as inscrições de fls. 155 e demais protestos juntados pela corré Athenabanco Fomento Mercantil são posteriores ao protesto aqui discutido, o qual foi concretizado em 13.05.2011. No mais, pelo que consta do autos (cf. Boletos de Pagamento às fls. 20, Certidão de Protesto às fls. 139 e narrativa às fls. 03), foram extraídas duas duplicatas eletrônicas da mesma nota fiscal (nº 0022041).

O Boleto Bancário de fls. 20 tem como “Número de Documento 0022041” e data de vencimento em 10.05.2011. A duplicata protestada, por sua vez, tem o mesmo número (fls. 139 “0022041”), mas data de vencimento em 02.05.2011. Ocorre que, embora a autora, ora recorrente, tenha pagado à ré Nobrecel S/A o Boleto Bancário com vencimento em 10.05.2011 (v. fls. 21), esta ré transferiu à sua litisconsorte, Athenabanco Fomento Mercantil, a duplicata com vencimento em 02.05.2011. Ato contínuo, não tendo recebido o pagamento, a Athenabanco Fomento Mercantil, em 10.05.2011, por meio de sua endossatária mandatária, realizou o protesto da cártula com vencimento em 02.05.2011. Desse modo, pelo que se verifica dos autos, o protesto indevido foi resultado da conduta irregular da Nobrecel S/A, e não da Athenabanco Fomento Mercantil, não havendo inclusive
 comprovação da má-fé desta última.

Aliás, a quitação da duplicata e a irregularidade do protesto foram reconhecidas pela própria ré Nobrecel S/A (v. fls. 27).

Assim sendo, reconhecida a irregularidade do protesto resultado da conduta irregular da corré Nobrecel S/A e, ademais, havendo prova da quitação do título (cf. fls. 20/21), é de rigor o
acolhimento do pedido condenatório, notadamente porque, neste caso, o dano moral é presumido, inclusive para pessoa jurídica, que tem sua honra objetiva violada. Cuida-se do chamado dano moral in re ipsa:

“RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULOS. DANOS MORAIS. CABIMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SÚMULA 7/STJ. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. I - O enunciado 227 da Súmula desta Corte encerrou a controvérsia a fim de reconhecer a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral. II - Rever os fundamentos do acórdão quanto à responsabilidade dos réus e à existência de danos morais encontra óbice nesta instância especial, à luz do enunciado 7 da Súmula deste Tribunal Superior. III - É entendimento uníssono nesta Corte que "o valor do dano moral (...) deve ser fixado com moderação, considerando a realidade de cada caso, cabível a intervenção da Corte quando exagerado, absurdo, causador de enriquecimento ilícito" (REsp nº 255.056/RJ, DJ de 30/10/2000). IV- No caso em apreço, mostrando-se excessivo o valor fixado nas instâncias ordinárias, a
redução se faz necessária. Recurso especial provido.” (REsp 886.284/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 18/12/2006, p. 399 - destaque
adicionado)

“Dano moral. Protesto indevido de título cambial.
 Pessoa jurídica. Precedentes da Corte. 1. Ressalvada a posição pessoal do Relator, a Corte, em diversos precedentes, inclinou-se por
deferir a indenização por dano moral para a pessoa jurídica. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 190.221/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/1999, DJ 06/12/1999, p. 85)

Desse modo, reconhecido o dano moral causado, sua quantificação deve, de um lado, ter pressuposto de punição ao infrator, de modo a inibir a prática de novos atos lesivos e, de outro lado,
proporcionar à vítima uma compensação, satisfatória, pelo dano suportado, sendo a quantia fixada, com base no princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, de acordo com prudente arbítrio do Julgador, evitando-se o enriquecimento sem causa, sem, entretanto, levando-se em consideração as circunstâncias fáticas e as condições econômicas do infrator, fixar um valor irrisório.

Destarte, a condenação merece ser imposta levando-se em conta todas os atos e fatos descritos no presente processo, pois, desta forma, não ensejará a possibilidade de enriquecimento sem
causa de uma das partes em detrimento da outra, sem perder seu caráter punitivo, bem como em efetiva observância ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, a finalidade da condenação é compensar o lesado pelo constrangimento indevido suportado e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos semelhantes no futuro. Nesse sentido:
“... - O valor da indenização deve ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. Recurso especial
 provido em parte”.1 “... 2. O valor indenizatório do dano moral foi fixado pelo Tribunal com base na verificação das circunstâncias do caso e atendendo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Destarte, há de
ser mantido o quantum reparatório, eis que fixado em parâmetro razoável, assegurando aos lesados justo ressarcimento, em incorrer em enriquecimento sem causa. ...”.2 “A fixação do valor da indenização a título de danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração, ainda, a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e, por outro lado, desestimular o responsável pela ofensa a praticar atos semelhantes no futuro.” (TJMG Apelação nº 1.0145.05.278059-3/001(1) Rel. Des. Elpídio Donizetti Data de publicação do Acórdão: 04/05/2007)
  
Portanto, pelos motivos acima lançados, tendo em vista os fatos narrados nos autos, bem como as provas que lhes dão suporte, a condenação a título de dano moral deve ser fixada em R$
8.000,00 (oito mil reais), valor esse que deverá ser corrigido de acordo com a variação constante da Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir da publicação deste Acórdão (Súmula 362 do STJ), incidindo juros de mora desde a data da citação, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, nos exatos termos dos artigos 405 e 406 do Código Civil de 2002 c/c com o artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional.

Em conclusão: a) no que tange à Instituição Financeira ré, extingue-se o processo sem resolução de mérito, em decorrência de sua ilegitimidade passiva (art. 267, inciso VI, do Código
1 STJ REsp nº 698772/MG. 2  STJ - REsp 797836/MG de Processo Civil); b) em relação à corré Athenabanco Fomento Mercantil, apesar de sua legitimidade passiva, mantém-se a improcedência do pleito condenatório por inexistir comprovação de sua má-fé (art. 269, inciso I, do Diploma Processual); c) quanto à corré Nobrecel S/A, por sua vez, acolhe-se a pretensão compensatória da
recorrente, extinguindo-se o processo com resolução de mérito (art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil), para condená-la ao pagamento da indenização acima arbitrada.

Por fim, reformada parcialmente a r. sentença, condena-se a corré Nobrecel S/A ao pagamento de honorários advocatícios à autora, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação (art. 20, caput, do Diploma Processual), montante a ser corrigido a partir da publicação deste Acórdão. Por outro lado, reconhecida a ilegitimidade passiva da Instituição Financeira, condena-se a autora, ora apelante, ao pagamento de honorários advocatícios fixados, por equidade (art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil), no importe de R$ 1.000,00 (mil reais), valor também a ser corrigido a partir da publicação deste Acórdão.

Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, nos exatos termos acima lançados, mantendo-se, na mais, a r. sentença recorrida.

Roberto Mac Cracken
Relator