TJSP - EMISSÃO DE DUPLICATAS FRIAS - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2016.0000287355

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2026508-90.2016.8.26.0000, da Comarca de Ibitinga, em que é agravante DEOLINDO WILSON, são agravados LALUCE RECAUCHUTADORA DE PNEUS LTDA e CRED RAPIDO FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA.. ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente sem voto), GIL COELHO E MARINO NETO.

São Paulo, 28 de abril de 2016 

WALTER FONSECA

RELATOR


VOTO N° 21.846

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2026508-90.2016

COMARCA: IBITINGA 1ª V.C.

AGRAVANTE: DEOLINDO WILSON

AGRAVADA: LALUCE RECAUCHUTADORA DE PNEUS LTDA. e OUTRA

MM. JUIZ: Roberto Raineri Simão

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA INSURGÊNCIA CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERIU A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA INCLUIR NA LIDE OS SÓCIOS DAS RÉS EXECUTADAS CABIMENTO DO PEDIDO EM RELAÇÃO À CORRÉ SACADORA DAS DUPLICATAS FRIAS O saque de duplicatas sem lastro comercial caracteriza o desvio de finalidade da sacadora dos títulos, bem como o ato ilícito praticado contra o antigo consumidor, o que autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica da sacadora, na forma do art. 50 do Código Civil de 2002 e do art. 28 da Lei de Defesa do Consumidor Caso em que a responsabilidade solidária da factoring endossatária translativa dos títulos não autoriza sua desconsideração da personalidade jurídica, porque agiu dentro de seu objeto empresarial e sua desídia em exigir a prova do lastro não resulta em ato delituoso. Recurso provido em parte. 

Vistos...

Agravo de instrumento interposto contra a parte da decisão interlocutória que, nos autos da ação de indenização por dano moral em fase de cumprimento de sentença, indeferiu o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica das empresas rés, ao fundamento de que não há prova de que encerraram suas atividades irregularmente, com o fito de se esquivarem da responsabilidade patrimonial, ou evidência de confusão patrimonial, e de igual modo, não há indício de que os sócios se valeram da pessoa jurídica para, violando a lei, auferirem proveito próprio ou de que a sociedade foi constituída com finalidade manifestamente ilícita (fls. 126).

O agravante alega que o sócio da empresa devedora responde em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, na forma do art. 50 do Código Civil vigente, e por infração da lei, fato ou ato ilícito, consoante art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, sendo que no caso, a coagravada Laluce Recauchutadora de Pneus sacou duplicatas sem lastro comercial, o que constitui o ato ilícito, e transferiu os títulos frios à coagravada Cred Rápido Factoring Fomento Mercantil Ltda., que levou seu nome a protesto indevido, resultando nos danos objeto da ação, que foi julgada procedente, e iniciado o cumprimento de sentença, não foram localizados bens penhoráveis de nenhuma das duas rés, o que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, para que a execução prossiga em face de seus sócios (01/18).

Tempestivo e preparado (fls. 128), o recurso foi processado com a intimação da coagravada Cred Rapido Factoring para resposta, que deixou transcorrer in albis o prazo para contraminuta, e sem a intimação da coagravada Laluce Recauchutadora de Pneus, que não constituiu advogado nos autos.

É o relatório.

Trata-se de cumprimento da sentença de procedência da ação de indenização por dano moral de fls. 48/54, com a reforma decorrente do acórdão de fls. 136/141, em que se reconheceu a responsabilidade solidária das agravadas Laluce Recauchutadora de Pneus Ltda. e Cred Rápido Factoring Fomento Mercantil Ltda. pelos danos causados, na medida em que aquela sacou duplicatas sem lastro comercial, e esta os recebeu em operação de fomento mercantil sem se acautelar da higidez dos títulos, levando-os a protesto indevidamente.

Pois bem, relativamente à coagravada sacadora do título, o saque de duplicata fria resulta em inegável abuso de sua personalidade jurídica caracterizada pelo desvio de finalidade.

Mais do que isso, o saque de duplicata sem lastro comercial é um ato ilícito, porque constitui em expediente tendente a lesar uma pessoa por meio de ardil, com inegável propósito de locupletamento, o que caracteriza, ao menos em tese, em ato delituoso, bem reconhecido na sentença (conforme quarto parágrafo de fls. 51 e 52).

No caso dos autos, a agravante alegou na petição inicial que em outra oportunidade fora cliente da sacadora do título (vide petição inicial, sexto parágrafo, de fls. 20), o que restou incontrovertido ante a revelia da aludida corré, o que faz da relação entre as partes uma relação de consumo, na forma do art. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, não só pelo desvio de finalidade da sacadora do título, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa sacadora dos títulos sem lastro se impõe também pelo ato ilícito praticado contra o consumidor, na forma do art. 28 da aludida Lei Consumerista. Por outro lado, mesmo entendimento não pode ser aplicado à empresa de factoring que recebeu as duplicatas frias por meio de endosso translativo.

Isso porque, sua conduta não caracteriza desvio de finalidade, porque é do próprio objeto social da faturizadora a aquisição de títulos da faturizado, como meio de administração de crédito.

E o só fato de ter ficado reconhecida sua responsabilidade solidária não autoriza, isoladamente, a desconsideração de sua personalidade jurídica, porque sua culpa não se confunde com o abuso de personalidade.

Nem mesmo sob a égide da citada legislação consumerista poderia a empresa de factoring ter sua personalidade jurídica desconstituída, porque não ficou minimamente demonstrado agir com “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, porque como já dito alhures, sua responsabilidade decorre apenas da desídia de exigir a prova do lastro comercial de um título sacado por outrem.

Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso,para desconsiderar a personalidade jurídica somente da empresa sacadora das duplicatas frias, a Laluce Recauchutadora de Pneus Ltda., em ordem a incluir seus sócios no polo passivo do cumprimento de sentença.

WALTER FONSECA

Relator