TJRS - REVISIONAL DE FACTORING - NÃO EXISTENCIA DE COBRANÇA DE JUROS - VALIDADE DA CLÁUSULA DE REGRESSO

AÇÃO revisional E RECONVENÇÃO. contrato de fomento mercantil. FACTORING. DESÁGIO. IMPOSSIBILIDADE de revisão. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. INEXISTÊNCIA DE JUROS. Não há falar em revisão de contrato de factoring, posto que não se confunde com contrato bancário, onde há a incidência de juros. Precedentes. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE TRANSFERE À FATURIZADA A RESPONSABILIDADE PELA INADIMPLÊNCIA DOS TÍTULOS CEDIDOS. VALIDADE. Em regra, na operação de factoring, por se tratar de cessão onerosa de crédito, onde a empresa faturizadora, ao adquirir créditos da faturizada, é remunerada com comissão, ela assume os riscos que envolvem o negócio, inclusive aqueles ligados à liquidação do crédito. Contudo, havendo estipulação contratual em que a cedente assume a responsabilidade pela solvibilidade dos devedores frente à cessionária, deve responder pela obrigação de pagamento do débito. Recompra dos títulos que não desnatura a operação de factoring. Inteligência dos artigos 296 e 297 do Novo Código Civil. Precedentes. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.

Apelação Cível  Décima Quinta Câmara Cível
Nº  70046729331  Comarca de Caxias do Sul
CREATIVE LUX LTDA E OUTROS,  APELANTES;
FACTUS FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA.,  APELADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Angelo Maraninchi Giannakos e Des.ª Ana Beatriz Iser.

Porto Alegre, 04 de abril de 2012.


DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS,

Presidente e Relator.

RELATÓRIO

Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos (PRESIDENTE E RELATOR).

Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por CREATIVE LUX LTDA. e OUTROS, por inconformados com sentença que, nos autos da Ação Ordinária que movem contra FACTUS FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA., julgou: a) improcedente a ação principal, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, ao patrono da ré, fixados em R$ 3.000,00; b) procedentes os pedidos formulados em reconvenção, condenando a reconvinda ao pagamento do montante de R$ 454.809,68, corrigido pelo IGPM e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde 22.02.2010 até a data do efetivo pagamento, e condenando a reconvinda, ainda, ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, ao procurador da reconvinte, fixados em 15% sobre o montante da condenação.

Interpostos Embargos de Declaração (fls. 1861/1862 e 1865/1875), foram ambos desacolhidos.

Em suas razões, pugnaram os apelantes pela reforma da sentença sustentando, em síntese, descaracterizados os contratos nominados de contrato de factoring, que não passam de empréstimo em dinheiro, impondo-se a anulação da cláusula de recompra dos títulos não pagos no vencimento, com a conseqüente restituição em dobro dos valores correspondentes, e a revisão de toda a contratualidade, com a redução dos juros mensais de 3,7% a 20% para apenas 6% ao ano, vedada a capitalização e afastados os encargos moratórios. Ainda, argumentaram deve ser declarada a inexigibilidade das notas promissórias em poder da empresa apelada, dadas em garantia de pagamento das duplicatas negociadas.

Posto isto, requereram o provimento do apelo.

Com preparo e contrarrazões, subiram os autos conclusos para julgamento.

Registro, finalmente, que foram rigorosamente observadas as formalidades constantes dos arts. 549, 551, § 2º, e 552 do CPC.

É o relatório.

VOTOS

Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos (PRESIDENTE E RELATOR)

Não procede a inconformidade.

Com efeito, segundo lição de Waldírio Bulgarelli1:


“Bastante assemelhado ao desconto bancário, a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da empresa. Singelamente pode-se falar em venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão e cobrando juros quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos.”


A conceituação deixa clara a situação de que não se está a tratar de negócio jurídico bancário, mas de compra e venda de ativos financeiros, não se aplicando à situação as regras do Código de Defesa do Consumidor, impossibilitando a sua revisão, como pretendido.

Ocorre que nos contratos de factoring não há a incidência de juros propriamente ditos, mas sim do denominado Fator de Compra, remunerando a empresa pelos serviços prestados através da diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos.

Para os contratos em geral, prevalece o princípio do pacta sunt servanda, salvo quando comprovada alguma situação excepcional a desconstituí-lo, o que não se verifica no presente caso, impossibilitando a revisão da relação contratual.

Neste sentido, o entendimento deste Tribunal de Justiça:


AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. FACTORING. Não se constituindo o contrato de factoring em negócio jurídico bancário, descabe a pretensão revisional de juros, que não se confundem com a remuneração do faturizador, consistente de percentual de deságio sobre o valor dos títulos, considerando que na prestação dos serviços de cobrança a cessionária assume o risco da não liquidação dos créditos. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELO DA RÉ PROVIDO. RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70014754196, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 21/03/2007)


Apelação cível. Direito privado não especificado. Revisional. Factoring. Fomento comercial. Incidência do denominado fator de compra. A empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados. Descabida a limitação dos juros. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70010295475, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 23/11/2006)


ACAO DE REVISAO CONTRATUAL. CONTRATO DE "FACTORING". DESAGIO. Não cabe a pretensão revisional de juros relativamente a contratos de factoring, que não se constitui em negocio jurídico bancário, atento a que o deságio não representa, exclusivamente taxa de juros. Não há cerceamento de defesa quando a questão de mérito e exclusivamente de direito. PRELIMINAR REJEITADA E RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70003222643, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 24/04/2002).


FACTORING. DESÁGIO. REVISÃO CONTRATUAL. JUROS. IOF. ISSQN. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCABIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. 1 - O contrato de factoring não constitui negócio jurídico bancário, razão pela qual descabe acolher-se a pretensão que visa a revisão das cláusulas relativas aos juros. Inaplicabilidade da limitação constitucional. A empresa faturizadora possui o direito de cobrar pelos serviços prestados ao faturizado, em percentual sobre os créditos, na modalidade de deságio, o que não revela a incidência de juros. Vedação inexistente na lei. 2 – IOF.  (...) 4 – Tarifa de cobrança. Inexistência de abusividade. 5 – Inexistência de valores a restituir, razão pela qual descabe o pedido de repetição de indébito. 6 - Cerceamento de defesa não configurado. Preliminar repelida. Precedentes jurisprudenciais. Ação julgada improcedente em primeiro grau. Apelo provido em parte.” (Apelação Cível Nº 70001577105, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 12/04/2001).


Inviável, portanto, a revisão pretendida pela parte autora.

No que tange à alegada nulidade da cláusula de recompra de títulos e da pretendida inexigibilidade de notas promissórias dadas em garantia de pagamento das duplicatas negociadas, melhor sorte não socorre à parte apelante.

Como já referido, a faturizadora, ao firmar o contrato de fomento mercantil, assume os riscos advindos do negócio, na medida em que, ao adquirir créditos da faturizada, a empresa de factoring é remunerada mediante comissão cobrada pelo serviço.

Esta regra, porém, deve ser analisada com reservas, principalmente quando existe, como no caso sub examine, cláusula contratual que remete à cedente o dever de ressarcir os valores de créditos frustrados.

Portanto, se a cedente obrigou-se pelo adimplemento dos títulos frente à cessionária, não pode se desobrigar do pagamento do débito apontado.

Ademais, aplicável à espécie o art. 296 do Novo Código Civil, que estabelece:

“Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”.


Nesse sentido, precedentes da Corte:


NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. DÉBITO ORIUNDO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. 1. Cerceamento de defesa inocorrente. Caso dos autos em que a prova é eminentemente documental. Agravo retido improvido. 2. Rejeitada a preliminar de nulidade da execução por ausência de título executivo. Os documentos juntados constituem título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, II, do CPC. É lícita, outrossim, a operação de recompra de títulos. 3. Indemonstrada a cobrança de encargos abusivos. 4. Em operação de factoring não há que se falar em aplicação de juros. A remuneração da faturizadora advém do denominado "fator de compra", consistente na diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos, na modalidade de deságio. 5. Juros moratórios fixados em 1% ao mês, não comportando alteração. 6. Multa moratória mantida no patamar fixado, porquanto não sujeita à limitação imposta pelo CDC, que é inaplicável à espécie. 7. Indemonstrada a existência da capitalização de juros; de cláusulas contratuais que permitam a cobrança de encargos à taxa futura de mercado; e da utilização da tabela price. 8. Inaplicabilidade do art. 940 do Código Civil, porquanto não reconhecido qualquer excesso na cobrança. AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70033172370, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 30/03/2010)


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULOS E AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. OPERAÇÃO DE FACTORING. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE TRANSFERE À FATURIZADA A RESPONSABILIDADE PELA INADIMPLÊNCIA DOS TÍTULOS CEDIDOS. VALIDADE RECONHECIDA. De regra, na operação de factoring, por se tratar de cessão onerosa de crédito, onde a empresa faturizadora, ao adquirir créditos da faturizada, é remunerada com elevada comissão, ela assume os riscos que envolvem o negócio, inclusive aqueles ligados à liquidação do crédito. Contudo, havendo estipulação contratual em que a cedente assume a responsabilidade pela solvibilidade dos devedores frente à cessionária, deve responder pela obrigação de pagamento do débito. Recompra dos títulos que não desnatura a operação de factoring. Aplicação dos arts. 296 e 297 do novo Código Civil. Recurso de apelação improvido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70015048572, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 20/11/2008)


APELAÇÃO. NULIDADE DE TÍTULOS. OPERAÇÃO DE FACTORING. NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS PELO CEDENTE E APONTADAS PELO VALOR DAS DUPLICATAS IMPAGAS FACE À AUSÊNCIA DE CAUSA SUBJACENTE. ENDOSSO COM NATUREZA DE CESSÃO DE CRÉDITO. RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELA SOLVABILIDADE DO CRÉDITO. 1. Inépcia da inicial não configurada. Desimporta o nome da demanda, sendo relevante apenas a especificação da pretensão da parte autora, adequadamente definida pela autora com os pedidos de nulidade dos títulos, a declaração de nulidade das taxas cobradas nas operações de factoring realizadas com a demandada, face à recompra dos títulos impagos, sem que se efetivasse a prestação do serviço, deferindo-se a repetição de indébito dos valores cobrados a maior. 2. Na operação de factoring, o endosso não é cambial, mas caracteriza cessão de crédito, assumindo o faturizador o risco sobre o recebimento. Contudo, há estipulação contratual em que o cedente assume a responsabilidade pela solvabilidade do devedor frente ao cessionário, devendo responder pela obrigação de pagamento do débito. Aplicação dos arts. 296 e 297 do novo Código Civil. Recompra dos títulos que não desnatura a operação de factoring. 3. Deságio que não se confunde com a cobrança de taxa de juros pelas instituições financeiras. Aquele é devido em face da prestação de serviço e risco, pelo que descabe a pretendida limitação em 12% ao ano. Demonstrada a busca do crédito pela faturizadora junto às emitentes das duplicatas endossadas, não obtendo o pagamento de parte dos títulos negociados em face da ausência de negócio subjacente. Devida, portanto, a restituição integral do valor títulos impagos. Apelo da ré provido, rejeitada a preliminar. (Apelação Cível Nº 70021067905, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 22/11/2007)


Ementa: FACTORING. REVISÃO CONTRATUAL. DUPLICATAS. DESÁGIO. JUROS. RECOMPRA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ENDOSSO. CESSÃO DE CRÉDITO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCABIMENTO. 1 - O contrato de factoring não constitui negócio jurídico bancário, razão pela qual descabe acolher-se a pretensão que visa a revisão das cláusulas relativas aos juros. Inaplicabilidade da limitação constitucional. A empresa faturizadora possui o direito de cobrar pelos serviços prestados ao faturizado, em percentual sobre os créditos, na modalidade de deságio, o que não revela a incidência de juros. Vedação inexistente na lei. 2 Ausência de descaracterização da natureza do negócio de factoring, que difere da operação de desconto bancário. 3 Títulos endossados. Recompra. Possibilidade. Previsão legal. 4 Prestação dos serviços de assessoria. Ausência de solicitação no período contrato. Previsão contratual de cobrança dos títulos endossados. 5 - Inexistência de valores a restituir, razão pela qual descabe o pedido de repetição de indébito. Ação julgada improcedente em primeiro grau. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70007931553, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 25/03/2004)


Diante do exposto, nego provimento ao apelo, mantendo na íntegra a r. sentença apelada.

É o voto.

Des. Angelo Maraninchi Giannakos (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des.ª  Ana Beatriz Iser - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS - Presidente - Apelação Cível nº 70046729331, Comarca de Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º  Grau: SILVIO VIEZZER

1 Contratos Mercantis. 13°Ed. Altas, 2000: São Paulo. P.321.