Fomento

Panorama jurisprudencial sobre fomento mercantil: estado atual e perspectivas

O segundo painel do seminário promovido nesta sexta-feira (10) pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve como tema as “Características da cessão civil de crédito e do direito cambiário no fomento comercial”. O painel trouxe o ministro Raul Araújo como moderador e como palestrantes o ministro Paulo de Tarso Sanseverino e o advogado Henrique Leite, mestre em direito internacional econômico pela Universidade de Warwick (Inglaterra).

Raul Araújo considerou o tema um dos mais interessantes do seminário, pois “traçará as balizas dentro das quais deve ocorrer a cessão de crédito, que é, talvez, a mais importante operação envolvida no fomento comercial”.

Sanseverino dividiu seu discurso em duas partes. Na primeira, falou sobre os aspectos gerais da cessão de crédito nos planos da existência, exceções, validade e eficácia, dentro do marco legal do Código Civil. Na segunda parte, apresentou uma visão panorâmica a respeito da cessão de crédito e do fomento mercantil na jurisprudência do STJ.

Tradicional

Lançando mão de diversos recursos especiais, inclusive repetitivos que tramitam na corte, o ministro apresentou a orientação atual da jurisprudência do STJ, que chamou de posicionamento “tradicional”, e refletiu sobre o caminho futuro que pode ser seguido, “já que não temos uma previsão de aprovação do nosso novo Código Comercial”.

Citou recurso que trata de notificação do devedor como fator de eficácia, o REsp 936.589, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. Afirmou ser pacífico o entendimento de que a cessão é ineficaz em relação ao devedor enquanto ele não for notificado. Todavia, a ausência de notificação não libera o devedor de pagar sua dívida.

O ministro esclareceu que a linha jurisprudencial tradicional segue o Código Civil. Entretanto, “temos um leading case muito importante da Quarta Turma, do ministro Salomão (Luis Felipe Salomão), de 2015, em que ele abre espaço para uma nova interpretação, o que é bem interessante, no REsp 1.236.701, em que deixa clara a possibilidade de se trabalhar especificamente com a ideia do endosso na perspectiva do direito cambiário. Acho realmente uma tendência muito interessante”, acrescentou.

Terceiro painel

Participaram do terceiro e último painel, o ministro Villas Bôas Cueva e os advogados Paulo Penalva Santos e Ana Tereza Basílio, com mediação do promotor de Justiça e professor da FGV Márcio Guimarães.

O ministro Villas Bôas Cueva destacou a importância e o crescimento da atividade de factoring no país ao longo dos anos e ressalvou o valor da jurisprudência do STJ para esse sucesso. “Na verdade, talvez se possa falar até de um paradoxo do factoring. Talvez seja exatamente a ausência de uma norma legal clara sobre isso que tenha garantido ao longo dos anos um sucesso tão estrondoso do factoring no Brasil”, disse.

O ministro explorou a jurisprudência do tribunal em cinco questões: natureza jurídica da atividade de factoring; aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC); pedidos de falência com base em nota promissória emitida em decorrência de contrato de factoring; exceções pessoais do devedor e a responsabilidade da empresa de factoring na negativação de nome por inadimplência.

Jurisprudência

Em relação à natureza da atividade, Villas Bôas Cueva destacou julgados nos quais foi aplicado o entendimento de que o factoring não é atividade de instituição financeira, mas um contrato comercial atípico, de cessão de crédito, no qual não há direito de regresso em relação ao cedente.

Quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos de factoring, o ministro lembrou que o entendimento pacificado é pela inaplicabilidade, exceto naquelas situações em que há um financiamento direto ao adquirente.

Também foi abordada a viabilidade do pedido de falência utilizando-se de nota promissória emitida para garantir a recompra de duplicatas frias recebidas e a possibilidade de negativação de nome feita por empresas de factoring.

O ministro citou, ainda, acórdãos nos quais foi aplicado o entendimento de que, em regra, as empresas de factoring não têm direito de regresso contra a faturizadora, uma vez que o risco é inerente à própria atividade.

Precedentes

Ana Tereza Basílio e Paulo Penalva Santos defenderam um olhar diferenciado do STJ em relação ao direito de regresso e aos efeitos do endosso no fomento comercial, respectivamente.

Tereza Basílio citou precedentes da corte que, fugindo à jurisprudência dominante, entenderam pela possibilidade de regresso nas contratações de factoring. Segundo ela, o projeto do novo Código Comercial prevê essa possibilidade como regra. Ainda que o novo código não se torne uma realidade, afirmou, o STJ deveria rever sua jurisprudência, pois a possibilidade de ser convencionado o regresso traria muitos resultados positivos, como a redução de riscos e, consequentemente, a redução de juros.

“É dar a esse contrato maior competitividade, dar ao tomador uma remuneração mais acessível para que a economia possa ser oxigenada”, disse.

Paulo Penalva retomou o leading case da Quarta Turma, citado pelo ministro Sanseverino. Ele defendeu a possibilidade de o endosso ser plenamente aplicável ao fomento mercantil e lembrou que o tema deve ser levado a julgamento, em embargos de divergência, pela Segunda Seção – oportunidade em que o tribunal poderá rever a jurisprudência dominante.

Dúvidas

No encerramento, o coordenador científico do seminário, ministro Marco Aurélio Bellizze, disse ter ficado “cheio de dúvidas” – o que, segundo ele, demonstrava a riqueza e a produtividade dos debates.

“Cheguei de manhã cheio de certezas sobre fomento e estou saindo cheio de dúvidas com o que discutimos aqui. Ir para um seminário e sair cheio de dúvidas, não tem nada mais rico. De que adianta ir para um seminário que não tem novidade, falar sobre o que já foi falado?”, questionou.

O ministro também disse aguardar com a ansiedade o julgamento dos embargos de divergência sobre a natureza cambiária do endosso pela Segunda Seção, assim como o desfecho da edição ou não do novo Código Comercial.

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