Economia

Tsunami digital

Um tsunami digital. É como especialistas resumem a transformação em curso no setor financeiro. Bancos alinham-se ao mundo virtual impulsionados por uma miríade de tecnologias emergentes, como inteligência artificial, big data e robótica.

As ondas de inovação geram modelos inéditos de distribuição e consumo de serviços bancários. Também demandam novas regulações e recrudescem a competição no setor.

Com o que já se tem, analistas antecipam o futuro próximo: o banco será móvel, sem abrir mão de agências, que serão menores e mais consultivas. Será aprimorado pela inteligência artificial, mas sem perder o toque humano. Disputará clientes com entrantes que povoam o universo digital - de pequenas fintechs a gigantes como Amazon, Apple, Google e Alibaba -, mas ampliará parcerias com as mesmas para enriquecer portfólio e aperfeiçoar a chamada experiência do cliente, Santo Graal de dez em cada dez instituições.

"O cliente fará banking no celular e negócios na agência", prevê Gustavo Fosse, diretor setorial de tecnologia da federação dos bancos, a Febraban. Independentemente do perfil, entretanto, o banco vai atender no canal que o cliente quiser, acrescenta.

No Brasil, a corrida tecnológica dos bancos absorveu investimentos de R$ 19,6 bilhões em 2018, aumento anual de 3%. O volume coloca a indústria no topo da lista de maiores investidores em TI. "Somos o único país do mundo onde o setor financeiro lidera esse ranking, empatado com governos", afirma Fosse.

O empenho em abraçar o novo reflete-se em pesquisa da Febraban feita em parceria com a Deloitte: a inteligência de dados encabeça o rol de investimentos prioritários de 80% dos bancos. Os destaques são big data, analytics e inteligência artificial aplicados às diversas instâncias da operação, do atendimento virtual ao cliente à retaguarda nas agências. É questão de sobrevivência, segundo Fosse. "Vários estudos mostram que quem não dominar os dados estará fadado ao fracasso em poucos anos."

O alarme se justifica pela aceleração que a tecnologia imprime dentro e fora do mundo virtual. Brasileiros já compram quatro celulares inteligentes para cada TV adquirida, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), e habituam-se muito rápido às conveniências proporcionadas pela hiperconectividade. Tanto que o celular já é o meio preferido no país para pagamento de contas, transferências de dinheiro e outras transações. Em 2018, os correntistas realizaram 31,3 bilhões de transações usando esse meio, contra 16,2 bilhões no internet banking.

Sérgio Biagini, sócio líder de serviços financeiros da Deloitte, avalia que o sucesso do mobile deve-se à elevação de expectativas de todas as gerações, não apenas dos millennials (pessoas com 18 a 35 anos). Um desafio a partir daqui, diz ele, é aproveitar todo o potencial das tecnologias para extrair valor da montanha de dados estruturados e não estruturados que não para de crescer no ambiente multicanal dos bancos. "O Brasil evoluiu nisso, mas ainda tem muito chão a percorrer."

Octavio de Lazari Junior, presidente do Bradesco, diz que a transformação do setor implica novo modo de pensar a atividade bancária. "Sempre fomos treinados para pensar primeiro no produto. Agora, temos primeiro de conhecer o cliente e costurar a jornada que ele busca ou antecipar necessidade que o agrade, com o cuidado de não sermos intrometidos."

Essa nova mentalidade ajudou o Bradesco a gerar o seu braço 100% digital - o banco Next, voltado para millennials - e a criar a BIA (sigla de Bradesco inteligência artificial), assistente virtual que usa linguagem natural em voz e texto para interagir com clientes e é pedra angular na estratégia de IA do grupo.

Em linha com a tendência de levar o banco aonde o cliente está, a BIA avança para além do app, site e redes sociais do Bradesco, integrando-se com outros dispositivos presentes no dia a dia dos clientes, como o Google Assistente e a Alexa, da Amazon. O Next, por sua vez, cresce a um ritmo de nove mil novas contas por dia, devendo chegar ao fim de 2019 com 1,5 milhão de clientes. Esse sucesso não significa fim do banco tradicional, diz o presidente. "Os dois modelos coexistem. O que fazemos é embarcar no tradicional toda a tecnologia que testamos no mundo digital."

Lazari Junior diz que fintechs devem ser vistas como janelas de oportunidades para complementar a atuação dos bancos. O advento do open banking também é desejável, além de inevitável, diz o executivo. O modelo permite que bancos integrem seus sistemas com o de outras empresas e compartilhem dados dos clientes, com autorização dos mesmos, para criação de serviços mais personalizados.

Na seara dos fornecedores, Guilhermo Kopp, diretor de serviços financeiros da Microsoft, diz que plataformas de IA mais democráticas estão por trás do avanço rápido de capacidades cognitivas nos processos bancários. "Elas hoje estão mais acessíveis para profissionais que não são, necessariamente, cientistas de dados."

Entre as inovações que atraem o interesse do setor, ele cita a inteligência aplicada a processos de captação, formalização e aprovação de clientes (onboarding) "Um exemplo é nossa tecnologia que valida documentos e faz prova de identidade ao comparar a imagem do cliente ao vivo, no celular, com fotos de documentos fornecidos por ele. Isso permite onboarding 100% digital."

IA aliada a plataformas de nuvem também já promove inclusão financeira ao redor do mundo, diz o diretor. A combinação gerou, por exemplo, modelo psicográfico de avaliação de crédito, que consiste no uso de informações comportamentais e atitudinais captadas em fontes variadas para criar perfil financeiro e escore de crédito de quem não tem conta em banco.

Leonardo Araújo, diretor de serviços de consultoria para América Latina da Dell EMC, destaca o papel da análise avançada no combate a fraudes. Um exemplo são algoritmos que a fabricante desenvolve para, valendo-se de dados de sensores, prevenir saques indevidos em caixas eletrônicos. "Em um banco local, essa inteligência elevou a 95% o nível de proteção contra ataques em ATMs que ficam off-line por algum motivo."

Araújo observa que os desafios do setor bancário tendem a aumentar com o crescimento exponencial dos dados. Lembrando ainda que, a partir de 2020, as empresas deverão estar em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Fonte: Ana Lúcia Moura Fé, do Valor

http://www.fintechspress.com/9-tecnologia/2354-tsunami-digital