Economia

'Open banking' pode ter custo bilionário

Assim que o Banco Central der a largada para a implementação do “open banking” (sistema de troca de informações entre instituições financeiras), com a abertura da audiência pública relativa às normas e aos padrões do sistema de compartilhamento das informações ainda neste semestre, os bancos brasileiros terão de se preparar para um desembolso que vai atingir vários bilhões de reais.

No Reino Unido, país mais avançado nesse tema no mundo, que termina a implantação formal de sua rede no mês que vem, o custo atingiu “mais de 1 bilhão e menos de 2 bilhões de libras esterlinas”, ou seja, entre R$ 4,8 bilhões e R$ 9,8 bilhões, segundo Chris Michael, executivo-chefe de tecnologia da Open Banking Implementation Entity (Obie), entidade britânica responsável pelo processo no país europeu, em entrevista ao Valor.

Uma dificuldade nesse modelo, aponta o especialista, é que o volume de acessos e requisições aos sistemas da instituição pode crescer de maneira exponencial. “Os bancos terão de estar preparados para receber esse monte de solicitações a mais, com vários protocolos tentando acessar os dados e a todo momento”, explica. Apesar de as cifras serem elevadas, os ganhos vão ser muito maiores, ressalta Michael. Para o consumidor e as pequenas empresas, o open banking pode trazer um ganho de 18 bilhões de libras esterlinas em apenas um ano, segundo cálculos da Obie.

Do lado das instituições financeiras, a iniciativa de compartilhar informações de seus clientes com outras empresas, desde que devidamente autorizado pela pessoa, vai permitir aos bancos não só a criação de novos produtos, como também se tornar, verdadeiramente, uma plataforma aberta de produtos financeiros. Desse modo, as companhias vão poder atingir públicos e nichos fora do radar de suas estratégias principais, pondera Huw Davies, diretor de APIs da Obie.

De acordo com Davies, os grandes bancos poderão, por exemplo, oferecer produtos de crédito a micro ou pequenas empresas, por meio de parcerias com fintechs, ou ainda agregar experiência de uso e soluções que as startups conseguem implementar com mais velocidade.

Na fase inicial de operação, no início de 2018, “houve reticência e medo dos bancos com a concorrência e os custos de implementação, mas agora as principais instituições veem o 'open banking' como parte importante do negócio e para as estratégias de crescimento”, diz o executivo.

No Brasil, não vai ser diferente, aposta Tiago Aguiar, que está à frente da área de novas plataformas da TecBan, empresa de tecnologia bancária controlada pelas maiores instituições brasileiras e responsável pela rede de caixas automáticos Banco 24 horas.

Segundo o executivo, o 'open banking' é uma oportunidade de os bancos se tornarem plataformas agregadoras por meio das quais os clientes poderão fazer, praticamente, qualquer serviço desejado. “Com a implementação do sistema, vou poder usar um app de um banco para fazer de tudo: comprar qualquer coisa, fazer financiamento, investir e até escolher um lugar para morar.”

De acordo com o especialista da TecBan, “a instituição, até então, fazia os produtos e ela mesma distribuía, mas, a partir do 'open banking', existem várias empresas reguladas podendo distribuir os produtos por meio dos bancos e atingir um público muito maior”. Conforme Aguiar, as pequenas empresas, por exemplo, poderão pegar um financiamento sem ter de manter todo um histórico de crédito naquela instituição.

No Brasil, ainda se discute como as instituições poderão monetizar o uso de suas APIs, que são as portas de entrada para os parceiros poderem acessar os dados e o sistema do banco. “Poderia haver um modelo ‘premium’ no qual as instituições ofereçam facilidades e serviços pagos, além de um nível de acesso gratuito aos dados”, afirma Aguiar.

No Reino Unido, a primeira fase de implementação do sistema impôs a gratuidade de acesso às APIs. Mas a discussão tem avançado em direção à cobrança de novos serviços oferecidos com o uso dos protocolos digitais, aponta Davies, da Obie.

Chris Michael, ressalta que o 'open banking', na verdade, é o início de um movimento maior em direção a uma 'open economy', ou seja, uma economia aberta. “Não se trata apenas de banking”, mas conceitos como compartilhamento de dados, transparência e a transição para um modelo de negócios baseado em plataformas podem ser implementados em qualquer área, ressalta. O especialista cita o exemplo da Austrália, que ampliou o escopo da iniciativa para abranger empresas de energia e de telecomunicações.

Com previsão de o BC abrir a consulta pública das normas neste semestre e de início da implementação na segunda metade de 2020, o Brasil já faz parte do grupo de países onde as discussões sobre 'open banking' estão mais avançadas, avalia Ana Carla Abrão, chefe da operação brasileira da consultoria Oliver Wyman. A executiva inclui na lista Reino Unido, União Europeia, Austrália, México, China e Cingapura. Em todos, o sistema deve estar implementado neste ano.

De acordo com Ana, uma mudança fundamental dentro do conceito de 'open banking' é que os clientes agora passam a ser donos de suas informações. “Até então as informações são detidas e tratadas pelas instituições financeiras, principalmente dados transacionais, e agora deixam de ser propriedade do banco e passam a ser do cliente, que vai dizer para onde devem fluir e quais as informações podem ser compartilhadas”, pondera.

Conforme a sócia da Oliver Wyman, a adoção do 'open banking' vai trazer, do lado positivo, aumento de competição, impulso à inovação, ganhos operacionais e inclusão financeira. Em termos de riscos, a consultora aponta a questão da segurança de dados, com a maior exposição a vazamentos e ataques.

Esses riscos podem ser um potencial passivo jurídico que será carregado pelas instituições financeiras por longo tempo, devido à falta de clareza sobre as responsabilidades, incertezas sistêmicas, diante da potencial queda de rentabilidade de incumbentes, e um potencial efeito disruptivo para a sustentabilidade do sistema financeiro, que terá de encontrar novos modelos de negócios sustentáveis.

https://www.sinfacsp.com.br/noticia/open-banking-pode-ter-custo-bilionario-valor-economico