Economia

O futuro dos bancos na visão de três executivos do mercado financeiro

RIO - A velocidade das inovações tecnológicas e mudanças regulatórias introduzidas nos setores bancário, de investimentos e de seguros nos últimos anos é tamanha que dificulta avaliar o real impacto na economia e o que está por vir com a proliferação de bancos digitais e outros tipos de fintechs, como são chamadas as start-ups financeiras. Para traçar um panorama sobre o presente e o futuro desses serviços no país, O GLOBO buscou a visão de três executivos que testemunharam o processo de concentração bancária no país e agora acompanham o rápido redesenho do setor com a chegada de novos competidores viabilizada pela tecnologia.

Maria Silvia Bastos Marques, que liderou instituições financeiras como Icatu e Goldman Sachs no Brasil, recorreu aos canais digitais para ampliar a distribuição do crédito do BNDES para pequenas e médias empresas quando dirigiu o banco estatal, entre 2016 e 2017. Guilherme Horn, diretor de Estratégia e Inovação do BV e professor da Singularity University, tem a experiência de cofundador da corretora Ágora (comprada pelo Bradesco) e da plataforma Órama. Claudio Gallina tem mais de três décadas de experiência no setor bancário e atualmente lidera a área de instituições financeiras da agência de classificação Fitch Ratings, à frente de um time que acompanha cerca de 500 empresas do segmento na América Latina.

Veja a seguir os principais trechos das entrevistas.

Maria Silvia: ‘Está tudo em movimento’

“Mesmo antes da pandemia, o Banco Central já tinha uma agenda de inovação e desregulamentação que possibilitou, em cinco anos, que mudássemos o ambiente competitivo no setor financeiro. É realmente incrível a rapidez e o dinamismo da economia brasileira quando recebe os incentivos certos. É algo que vai se espalhar para setores correlatos como o de seguros, que sempre foi uma das áreas de maior lucratividade nos bancos porque não tinha competição.”

“Vejo jovens que nunca foram a uma agência. Para eles, a vida bancária é integralmente virtual, é um app e pronto. O Pix é uma coisa revolucionária, tão democrática, que já mudou a demanda por papel-moeda. O Open Banking será outra revolução. A seu critério, o cliente vai poder leiloar suas necessidades de crédito e ter visibilidade sobre diferentes taxas nos bancos, que poderão avaliar os riscos. São muitas possibilidades que contribuirão para a economia como um todo. E qual é o futuro das maquininhas se podemos usar o celular? Está tudo em transformação, tudo em movimento.”

“Vai chegar um momento em que todos vão ter um QR code, usado com intensidade na China há alguns anos. Vejo uma diminuição imensa da circulação de moeda, o dinheiro físico tende a reduzir muito. Isso dá uma segurança maior, e as transações digitais vão crescer muito rapidamente.”

Guilherme Horn: ‘Banco virou um app no celular’

“Há um movimento com três grandes alavancas. A primeira é a tecnologia. Hoje, o poder computacional de um celular nem um supercomputador tinha há 20 anos. A segunda é a regulamentação mudando no sentido do fomento à inovação como nunca se viu. Não era comum até dez anos atrás. Ao contrário, as empresas mais inovadoras se ressentiam do regulador. A terceira é o comportamento do consumidor, que mudou completamente. Ele é mais exigente hoje quanto à experiência. Quer do banco a mesma fluidez, a mesma simplicidade que tem no Spotify ou numa rede social.”

“Como consequência temos dois grandes movimentos. Um é a fragmentação do mercado. Antes, os bancos faziam tudo sozinhos, verticalizados, multiprodutos. O consumidor mudou e está aberto a ter um cartão de crédito em uma instituição, investimentos mais conservadores em outra, mais agressivos numa terceira, crédito para veículo ou imobiliário em outro lugar. O segundo é a queda das fronteiras, principalmente entre regulamentação e tecnologia. Ao fazer um pagamento numa loja, você não sabe quem está executando, se é o varejista, a indústria, um adquirente, um banco, uma fintech. E não importa.”

“Temos uma concorrência muito maior porque os bancos hoje competem com pequenas start-ups, que competem com players de outras indústrias. E uma inclusão financeira robusta. Hoje, você não precisa mais ter conta em banco para ter acesso a produtos financeiros.”

“Acredito que será um mercado muito mais competitivo, menos concentrado e com um novo papel para os bancos. O banco era 100% visível para o consumidor final, nas ruas, nas agências. Você tinha que ir resolver coisas e efetuar as transações. Passou a ser mais um aplicativo no celular, a estar nas mãos do consumidor. Agora, o banco está se tornando algo como uma tubulação dentro de casa. Você não sabe como chega a água ali, só sabe que abre a torneira e ela aparece.”

Gallina: ‘Não são todas as fintechs que vão sobreviver’

“Há mais players no mercado. No nosso entendimento, o foco do BC quando fala em reduzir a concentração bancária é inclusão financeira com crédito mais barato para pessoas e empresas para ter um benefício para a economia como um todo. Para isso, é preciso permitir que empresas novas entrem com capital e custo de regulação menores. Elas começam a aparecer e a ganhar marketshare. E os bancos então reagindo.”

“Veio a pandemia. Bancos que investiam menos passaram a investir mais, e aqueles que já vinham investindo bastante em tecnologia continuam. Estão realmente disputando mercado com os digitais.”

“Espaço vai ter para quem tiver bom produto, esse é o motor principal. A velocidade das mudanças nos bancos grandes vai ser crucial. Mas não são todas as fintechs que vão sobreviver. Pode ter empresas crescendo com prejuízo. Até que ponto o investidor aguenta este prejuízo? Qual é o limite?”

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