Jurídico

Decisão do STJ torna custo de recuperação de crédito mais oneroso e incerto

Por Vítor Lopes e Eduardo Leão Filho

A 3ª Turma do Superior Tribunal Justiça finalizou o julgamento do Recurso Especial nº 1.925.959/SP, dia 12 de setembro, decidindo que são cabíveis a fixação de honorários advocatícios em caso de improcedência de pedido firmado em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), reformando expressamente o anterior entendimento dominante da própria 3ª Turma.

Neste recurso, a 3ª Turma do colendo STJ confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que se concluiu pela possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando rejeitado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em favor do advogado que atuou em favor do sócio ou pessoa jurídica, chamada ao polo passivo do incidente para responder pela dívida objeto de execução.

Basicamente, o STJ entendeu que a apresentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica equivaleria a uma nova demanda judicial, com a necessidade de realização de ato de citação, bem como a contratação de novo advogado para o exercício do contraditório, com a elaboração de todos as peças de defesa e recursos inerentes.

Da forma genérica como está disposta a decisão do STJ, pode-se dizer que ela acabou por encarecer o custo de recuperação de crédito no país, ainda mais para aqueles casos de middle e corporate, nos quais o risco de exposição à sucumbência é sensivelmente maior, dado o tamanho do crédito.

Nesse sentido, sem fazer qualquer ressalva quanto ao destinatário do IDPJ, a decisão caminhou na contramão das recentes reformas processuais, que visam agilizar e munir o processo de execução de instrumentos necessários, de maneira a torná-lo mais efetivo e concreto na vida prática dos credores.

Afinal, como se sabe, a taxa de recuperação de crédito no Brasil ainda é uma das menores do mundo, com um percentual aproximado de apenas 13%, ao passo em que países como o Reino Unido esse percentual chega ao incrível patamar de 89%.

Desse modo, pode-se dizer que o precedente em análise reforça a crença social comum, que vê o Judiciário sob um viés mais favorável ao devedor em detrimento do credor.

Isso gera um sentimento de insegurança jurídica e, fatalmente, um encarecimento do crédito, na medida em que fica mais caro se recuperar crédito no Brasil, ainda mais naqueles casos de dívida corporativa, onde o devedor muitas vezes encontra-se bem assessorado por advogados e contadores capazes de estruturar veículos e estratégias jurídico financeiras, tendentes a blindar o patrimônio do devedor em outros veículos de investimentos ou estruturas patrimoniais aparentemente distintas.

Tal cenário se revela mais alarmante num país que não possui uma legislação adequada e clara sobre a proteção do credor, frente a operações entre partes relacionadas integrantes de um mesmo grupo econômico empresarial, seja ele fato ou de direito.

O STJ, ao assim proceder, traz para os credores, especialmente para as instituições financeiras, mais um elemento de complexidade na avaliação do crédito a empresas, o que certamente comporá o prêmio de risco que será cobrado no momento da concessão do crédito.

Nesse cenário, é preciso que o STJ reveja esse posicionamento e crie parâmetros para aplicação de sucumbência ou não em IDPJs, ao menos para os casos cujos destinatários sejam partes relacionadas integrantes de um mesmo grupo econômico empresarial ou mesmo operações jurídicas cujos controladores sejam familiares do controlador do devedor original.

É preciso remover qualquer externalidade negativa na percepção do custo de recuperação de crédito do país. E o STJ, enquanto Corte Superior pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, tem papel fundamental.

Não faz sentido, aprioristicamente, querer sujeitar o credor que, de maneira séria e técnica, visa questionar a legalidade de determinada operação jurídica realizada, sob essas circunstâncias, com um pagamento extra de 10% a 20% sobre o valor do crédito. Até mesmo porque, se esse incidente for julgado procedente, o advogado do credor não receberá duas verbas sucumbenciais distintas e autônomas.

Afinal, em casos de acolhimento do pleito de desconsideração da personalidade jurídica, se considera que a entidade cujo patrimônio é alcançado, é uma mera extensão artificial e fraudulenta do devedor original.

Além disso, não convence o argumento concernente à utilização do critério de aplicação dos percentuais previstos no §2º do artigo 85 do Código de Processo Civil isoladamente sobre o valor da causa de origem. Eis que a decisão que resolve o IDPJ pode possuir efeito apenas meramente declaratório acerca da existência ou não de abuso de personalidade jurídica e/ou confusão patrimonial, a depender da forma como isso será exposto por advogados daqui por diante.

Em situação semelhante, como nos incidentes de impugnação de crédito no bojo de recuperações judiciais, o mesmo raciocínio acima já é aplicado pacificamente pela jurisprudência do Tribunal de São Paulo, determinando que os honorários neste incidente sejam fixados pelo critério da equidade.

Enquanto isso não for resolvido de maneira mais clara e segura pelo STJ, talvez o caminho para os futuros credores e agentes econômicos que operam no mercado de crédito brasileiro nos segmentos de middle market, corporate e large corporate, seja a adoção do uso da arbitragem, por meio da previsão de cláusula compromissória em seus instrumentos de crédito.

Ao menos dessa forma os credores que se depararem com fraudes corporativas, criação artificial de veículos de investimentos, negócios jurídicos simulados entre partes relacionadas — cuja única finalidade seja a blindagem patrimonial de seu devedor original, dentre outros —, poderá vir a questionar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica sem ter que se preocupar com a possibilidade de incidência de mais considerável custo, ao adotar as medidas legais para recuperação de seu crédito.

Vítor Lopes é sócio-diretor do Villemor Amaral Advogados.

Eduardo Leão Filho é advogado do Villemor Amaral.

Revista Consultor Jurídico, 3 de novembro de 2023, 13h16

https://www.conjur.com.br/2023-nov-03/lopes-leao-recuperacao-credito-onerosa-incerta