TJRS - NOTIFICAÇÃO DE COMPRA EFETUADA PELA FACTORING - IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DIRETO À CEDENTE

Ação de sustação de protesto cumulada com indenização. Duplicadas transferidas por contrato de factoring. Cessão de crédito. Existência de notificação da cessão. Pagamento realizado à cedente que não noticiou o fato à cessionária. Protesto. Inoponibilidade das exceções pessoais. Ausência do dever de indenizar. Sucumbência.
Presente a notificação do devedor pela cessionária logo após a cessão e muito antes do vencimento dos títulos, o eventual pagamento realizado diretamente à cedente na data do vencimento, sem o conhecimento da cessionária, não pode ser oposto a esta visando a obtenção de indenização pelo protesto indevido de título quitado. Responsabilidade exclusiva da cedente tanto em relação à indenização quanto à sucumbência devida, respeitada a sucumbência recíproca da parte autora, uma vez que foi quem deu causa à demanda.

APELAÇÃO CÍVEL  VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70054655865  COMARCA DE RIO GRANDE

B.S. FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA  APELANTE

SUPERMERCADO GUANABARA S/A  APELADO

YARA ALIMENTOS LTDA  APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso de apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. RUBEM DUARTE (PRESIDENTE) E DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN.

Porto Alegre, 05 de junho de 2013.

DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI,
Relator.

RELATÓRIO

DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI (RELATOR)

B.S. FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA. interpõe apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente ação de sustação de protesto ou anulação dos efeitos do protesto cumulada com indenização ajuizada por SUPERMERCADO GUANABARA S/A (fls. 135/136).

Em suas razões (fls. 157/166), a apelante alega que, notificado o apelado da cessão de crédito quando da aquisição dos títulos da primeira demandada e cedente, o apelado não apresentou oposição, e, tendo ocorrido o inadimplemento, os títulos foram encaminhados a protesto. Alega que se tivesse o apelado entrado em contato, teria evitado a indicação a protesto. Refere, ainda, que o apelado obteve liminar para sustar o protesto, razão pela qual o protesto não se efetivou, não ocasionando nenhum dano indenizável. Alega que diante da culpa concorrente do apelado, mesmo que se reconheça o direito à indenização, esta deve ser reduzida a um salário mínimo, e determinada a atualização a partir da data do acórdão. Alega, por fim, que tendo a apelante concordado com o pedido do apelado no sentido da inexigibilidade dos títulos, não há litigiosidade que justifique a condenação nos ônus da sucumbência.

Recebido o recurso (fl. 155), foi contra-arrazoado (fls. 168/177).

O autos vieram-me conclusos em 20/5/2013, ocasião em que relatei e minutei o projeto de voto à douta revisão à espera do julgamento da Câmara, conforme a escala.

É o relatório.

VOTOS
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI (RELATOR)

Antecipo meu voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso de apelação, diante das circunstâncias peculiares do caso, muito respeitando o entendimento da digna Magistrada.

A apelante não nega que os títulos são inexigíveis e por isso o protesto deve ser cancelado. Tal situação está amplamente confessada na própria contestação (item 2 da contestação, fl. 67).

Trata-se aqui de títulos quitados na data do seu vencimento original pela empresa devedora e demandante.

Ocorre que tais títulos foram cedidos pela credora original e primeira demandada à cessionária, empresa de factoring e segunda demandada, que foi condenada solidariamente ao pagamento de indenização em vista do protesto indevido de títulos quitados.

É sabido ser ônus da factoring, como cessionária, e pelpopróprio risco da atividade, a comprovação da realização do negócio jurídico, quando negado pela devedora ou representado apenas por nota fiscal sem comprovação da entrega da mercadoria e por duplicata sem aceite (Lei nº 5.474/68, artigo 15, e Código de Processo Civil, artigo 333, inciso I), ou, ainda, como no caso, a verificação sobre se tratar ou não de título já quitado.

No caso em tela, a factoring, ora apelante, recebeu, em 19/4/2011 (fls. 99/100), por força de contrato de fomento mercantil que mantém com a primeira demandada (fls. 89/96), a cessão dos títulos objeto da demanda, cujos vencimentos se dariam em 2/6/2011.

Como se verifica, a cessão ocorreu quase dois meses antes do vencimento dos títulos.

Em 19/4/2011, a cessionária notificou a demandante acerca da cessão havida, inclusive solicitando a confirmação da aquisição e entrega das mercadorias a que se referem às cártulas adquiridas, conforme se verifica dos termos do e-mail enviado em 27/4/2011 (fl. 103), notificação esta também ocorrida muito antes do vencimento dos títulos.

Por outro lado, a demandante, mesmo após a notificação, sabedora, portanto, de quem figurava como nova credora, sem apresentar qualquer manifestação, no vencimento dos títulos, utilizando-se do código de barras constante dos boletos fornecidos pela primeira demandada e credora original, efetuou o pagamento à cedente (fls. 21/24), fato não noticiado à empresa apelante e cessionária, nem pela devedora, tampouco pela cedente dos títulos que recebeu os valores, decorrendo, naturalmente, o encaminhamento dos títulos a protesto pela apelante.

Diante da situação sui generis que se apresenta - a presença da notificação do devedor - em que pese a obrigatoriedade de sustação do protesto ante a prova do pagamento, nenhuma responsabilidade pode ser imputada à cessionária dos títulos, uma vez que a esta são inoponíveis, diante da notificação havida e devidamente comprovada, as exceções cabíveis contra a cedente, no caso, o pagamento dos títulos feito diretamente à cedente sem o conhecimento da cessionária.

Assim, a única responsável pelo protesto indevido e consequentemente pela indenização devida é a primeira demandada que, recebendo o pagamento, mesmo após a cessão dos títulos e a competente notificação realizada pela cessionária ao devedor, nada noticiou a respeito, ocasionando, por desídia sua, o encaminhamento dos títulos a protesto.

Com efeito, deve ser afastada a responsabilidade solidária da segunda demandada e cessionária, isentando-a inclusive da responsabilidade pelos ônus da sucumbência, que devem ser imputados, observada a sucumbência recíproca da parte autora, exclusivamente à primeira demandada, que deu causa à demanda ajuizada.

Voto, pois, em dar parcial provimento ao recurso de apelação.

DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUBEM DUARTE (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUBEM DUARTE - Presidente - Apelação Cível nº 70054655865, Comarca de Rio Grande: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME."

Juíza de Direito da sentença: Dra. Carolina Granzotto.