TJSC - REVISIONAL FACTORING - IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DE JUROS - ATIVIDADE MERAMENTE MERCANTIL

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. FACTORING. CONTRATO MERCANTIL. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL PARA RECONHECER A LIMITAÇÃO DOS JUROS, BEM COMO A COMPENSAÇÃO DOS VALORES.IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL NOS MESMOS MOLDES DA REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. ATIVIDADE MERAMENTE MERCANTIL QUE NÃO SE CONFUNDE COM AQUELAS PRESTADAS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. JUROS. COBRANÇA DE COMISSÃO PELA CESSÃO ONEROSA DE CRÉDITO (DESÁGIO).

Apelação Cível n. 2008.026232-9, de Chapecó

Relator: Des. Artur Jenichen Filho

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. FACTORING. CONTRATO MERCANTIL. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL PARA RECONHECER A LIMITAÇÃO DOS JUROS, BEM COMO A COMPENSAÇÃO DOS VALORES.

IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL NOS MESMOS MOLDES DA REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. ATIVIDADE MERAMENTE MERCANTIL QUE NÃO SE CONFUNDE COM AQUELAS PRESTADAS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. JUROS. COBRANÇA DE COMISSÃO PELA CESSÃO ONEROSA DE CRÉDITO (DESÁGIO).

1. "Como o contrato de fatorização não se equipara a contrato bancário, não há falar em revisão de juros remuneratórios e demais incidências. No contrato de "factoring", são cobrados encargos típicos desta modalidade contratual, descabendo o pleito revisional, proposto nos mesmos moldes dos movidos nas operações de crédito. (Apelação Cível n. 70031686033, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 14.07.2011)."

2. "As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros." (REsp. N. 938.979 - DF (2007/0075055-2), Relator: Min. Luis Felipe Salomão, j. 19-6-12).

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.026232-9, da comarca de Chapecó (1ª Vara Cível), em que é apelante Jung Fomento Mercantil Ltda, e apelado Millenium Logística de Transportes Ltda ME:

A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Paulo Ricardo Bruschi, como revisor, e Des. Jaime Luiz Vicari, presidente com voto.

Chapecó, 08 de julho de 2013.

Artur Jenichen Filho
Relator

RELATÓRIO

Millenium Logística de Transportes Ltda. propôs Ação de Revisão de Contrato c/c Repetição de Indébito contra Jung Fomento Mercantil Ltda., pugnando pela revisão dos contratos pactuados, sob a alegação de abusividade nas cláusulas contratadas.

Alega, em suma, "que a empresa da ré é classificada como FACTORING e como tal não faz parte do SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL" (fl. 03) e, após várias negociações, restou consolidada uma dívida, no valor de R$58.608,00 firmou um contrato de CONFISSÃO DE DÍVIDA (fl. 22/23 com a requerida e que o percentual de juros é excessivo, devendo estes encargos serem reduzidos.

Ao final, requereu a procedência do pedido, bem como a antecipação de tutela, para que seja deferida a realização de depósitos incidentais, além da abstenção da inclusão de seu nome nos cadastros de inadimplentes.

Às fls. 44-49, foram deferidos os pedidos antecipatórios.

Citada (fls. 53v.), a requerida apresentou contestação (fls. 56-62), alegando que a cobrança dos juros é própria de sua atividade mercantil e, assim sendo, não existem valores a serem restituídos.

A liminar foi revoga em virtude da inocorrência dos depósitos (fl. 71).

A sentença de fls. 75-85, julgou parcialmente procedente os pedidos inicial, nos seguintes termos:

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por Millenium Logística de Transportes Ltda ME, com fulcro no art. 269, I do CPC, para:

a) reduzir o juro para 1% a.m. (um por cento ao mês);
b) excluir a capitalização dos juros;
c) efetuar a compensação de valores que eventualmente tenham sido pagos pela Autora, no que excederem às parcelas recalculadas conforme as disposições desta decisão, com o débito persistente.
Fixo honorários advocatícios, de forma global, em R$ 1.000,00 (um mil reais). Diante da sucumbência recíproca e proporcional ao resultado da demanda, condeno a ré ao pagamento de 80% (R$ 800,00) e a autora a 20 % (R$ 200,00), obedecidos o grau de zelo do profissional; lugar de prestação dos serviços e natureza da causa.
Arcará a ré com 80% das despesas processuais e a autora com 20%.

Irresignada, a requerida interpôs recurso de apelação cível (fls. 89-96), pugnando pela reforma da decisão do juízo singular, alegando que o contrato de factoring, nada mais é do que uma cessão de crédito, na qual não se aplica as normas da Lei da Usura, muito menos preceitos relativos a negócios jurídicos bancários.

Contrarrazões às fls. 102-107.

Os autos ascenderam a esta Corte.

Este é o relatório.

VOTO

Conheço do recurso porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de apelação cível interposta por Jung Fomento Mercantil Ltda. contra decisão de primeiro grau que revisou a confissão de dívida, na qual a apelante pugnada pela total improcedência da ação, sendo que o contrato de factoring, nada mais é do que uma cessão de crédito, na qual não se aplica as normas da Lei da Usura, muito menos preceitos relativos a negócios jurídicos bancários.

Sustenta a apelante que os juros remuneratórios pactuados no contrato firmado entre as partes não podem ser limitados ao montante máximo de 12% ao ano.

Razão assiste ao apelante.

Preliminarmente, cabe salientar que, a relação entre o faturizador e o faturizado tem natureza mercantil, e não de consumo, sendo inviável a incidência das normas consumeristas, razão pela qual não há se falar no caso em análise de limitação dos juros a taxa de 12% ao ano.

Tal conceito é bem explicitado por Maria Helena Diniz:

"O contrato de faturização de fomento mercantil ou factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos. É um contrato que se liga à emissão e transferência de faturas. Daí dizer Waldirio Bulgarelli que a operação de factoring seria a "venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão". (in Curso de Direito Civil Brasileiro. V 3. 23 ed. São Paulo: Saraiva: 2007. p. 739)".

Sendo assim, não é possível verificar irregularidades nos supostos juros remuneratórios contratados, posto que, na confissão de dívida juntada aos autos (fls. 22-23), não há cobrança do referido encargo, mas sim de uma comissão pela prestação de serviços da faturizadora.

Logo, a cobrança de tal remuneração não se confunde com os juros remuneratórios, restando rechaçada qualquer discussão que envolva a limitação dos referidos encargos em 12% ao ano.

Nesse sentido, colhem-se da jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. ALEGAÇÃO DE FIXAÇÃO DE JUROS DE FORMA CAPITALIZADA E ACIMA DO LIMITE LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE CONTRATUAL QUE NÃO PREVÊ A INCIDÊNCIA DE JUROS. COBRANÇA DE COMISSÃO PELA CESSÃO ONEROSA DE CRÉDITO (DESÁGIO). NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS RECHAÇADA. AFASTAMENTO DA MULTA APLICADA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 17 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 2007.046736-6, de Laguna, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, dj. em 25.07.2011 - grifou-se).

E:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. FACTORING. CDC. INAPLICABILIDADE. CONTRATO MERCANTIL. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PACTUAÇÃO E INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70045348679, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 24/11/2011 - grifou-se).

Ainda, colhe julgado desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE CONTRATOS DE FOMENTO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR E CONSEQUENTE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI.
[...] Apenas a título de argumentação, melhor sorte também não socorre à Apelante quando almeja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em questão, haja vista que o contrato de factoring propriamente dito, como ocorre in casu, não se submete à legislação consumerista. [...] (Apelação Cível n. 2007.046736-6, de Laguna, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, dj. em 25.07.2011).

JUROS REMUNERATÓRIOS. REQUERIDA LIMITAÇÃO DE TAL ENCARGO EM 12% AO ANO. IMPOSSIBILIDADE. ÔNUS QUE NÃO INCIDE NA MODALIDADE DE CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. COBRANÇA DE DESÁGIO.
"Revisão do contrato: como o contrato de fatorização não se equipara a contrato bancário, não há falar em revisão de juros remuneratórios e demais incidências. No contrato de "factoring", são cobrados encargos típicos desta modalidade contratual, descabendo o pleito revisional, proposto nos mesmos moldes dos movidos nas operações de crédito." (Apelação Cível n. 70031686033, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, j. em 14.07.2011). (Apelação Cível n. 2007.018010-3, de Dionísio Cerqueira, Relator: Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, j. 7-2-2012 - grifou-se).

E do Superior Tribunal de Justiça:

CONTRATO DE FACTORING . RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE.
1. As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes.
2. "A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço.
Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações". (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010). [...] (REsp. N. 938.979 - DF (2007/0075055-2), Relator: Min. Luis Felipe Salomão, j. 19-6-12).

Ademais, a apelada tendo conhecimento dos valores cobrados pela apelante, poderia procurar outras empresas com valores de serviço dos quais concordasse e, se assim não o fez, assumiu o risco da contratação, pois, como ressaltado, possuía plena ciência dos encargos cobrados pela ora apelante.

E mais, tanto é um negócio de risco, que a compra dos créditos financeiros ocorre com o pagamento, ao faturizador, da remuneração cobrada pelo negócio realizado.

Colhe-se a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

Pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização. Há duas modalidades de fomento mercantil. De um lado, o ''conventional factoring'', em que a faturizadora garante o pagamento das faturas antecipando o seu valor ao faturizado. Essa primeira modalidade compreende três elementos: serviços de administração do crédito, seguro e financiamento. De outro lado, o ''maturity factoring'', no qual a faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no vencimento, modalidade em que estão presentes a prestação de serviços de administração do crédito e o seguro, mas ausente o financiamento. (in Curso de Direito Comercial. V. III, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 134/135).

Logo, "possível que o preço dos serviços prestados sejam superiores a 12% ao ano, não havendo nada de ilegal neste fato, eis que as partes tem liberdade para contratar e a apelante tem liberdade de escolher o faturizador que melhor lhe aprouver." (TJSC, Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).

Destarte, o pedido de não limitação dos juros remuneratórios merece guarida, posto que na operação ora discutidas nos autos não há a incidência de tal encargo, mas sim, da taxa de deságio, a qual é livremente pactuada entre as partes.

Ressalta-se ainda, que o valor constantes na confissão de dívida (fls. 22-23), sob a denominação de "juros", na verdade, refere-se à taxa cobrada pela empresa apelante, qual seja, o deságio, o qual, como dito acima, não sofre as limitações impostas aos juros remuneratórios.

Sendo assim, na medida em que restou demonstrado que o contrato objeto da controvérsia da lide diz respeito a fomento mercantil, não se cogitando da pretensão de revisão de contrato de factoring e nem de incidência das regras do código de consumidor, já que a avença pactuada não se confunde com contrato bancário, razão pela qual resta afastada a pretensão de revisão de juros e repetição do indébito, já que não têm incidência tais encargos, mas apenas o chamado fator de compra, ou seja, a remuneração da empresa, que não deve ser limitada, dada a própria natureza do instituto.

Pelo exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, invertendo-se o ônus sucumbencial.

Este é o voto.

Gabinete Des. Artur Jenichen Filho