TJMG - FACTORING - SACADO NOTIFICADO DA CESSÃO NÃO PODE PAGAR DIRETAMENTE AO CEDENTE - OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO MANTIDA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À MONITÓRIA. CESSÃO DE CRÉDITO. CONTRATO DE FACTORING. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DA DEVEDORA POR EMAIL. CONFIRMAÇÃO DO RECEBIMENTO. VALIDADE. PAGAMENTO POSTERIOR FEITO AO CEDENTE DO TÍTULO. OBRIGAÇÃO QUE SE MANTEM EM RELAÇÃO AO CESSIONÁRIO. EMBARGOS IMPROCEDENTES.
 
Por força de lei, a empresa de factoring que recebe cambial a título de cessão, é obrigada a notificar o devedor, para que este possa efetuar o pagamento a quem de direito.
 
No caso, a própria devedora confirmou o recebimento da notificação, que lhe foi enviada por email, o que convalida o direito da empresa de factoring que recebeu o crédito.
 
O pagamento que a devedora fez à cedente, após ser notificada pela cessionária, não obsta o direito desta de receber o pagamento, por ser ela a vera titular do crédito.
 
Os embargos são improcedentes, conforme entendeu a sentença.
 
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.172349-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): INSTITUTO HERMES PARDINI S/A - APELADO(A)(S): MAXIMO FACTORING FOMENTO COM LTDA
 
ACÓRDÃO
 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
 
DES. LUCIANO PINTO 
 
RELATOR.
 
DES. LUCIANO PINTO (RELATOR)
 
VOTO
 
Máximo Factoring Fomento Comercial Ltda ajuizou ação monitória contra Instituto Hermes Pardini S/A.
 
Disse ter adquirido da empresa Promes Comercial LTDA-ME, por força de contrato de fomento mercantil, a duplicata descrita na inicial, no valor de R$2.278,93, emitida contra o aqui réu em razão de relação negocial que firmaram.
 
Assinalou que a dívida estaria arrimada em nota fiscal com comprovação de recebimento dos produtos, pelo réu, e que o teria notificação acerca da cessão do crédito.
 
Não obstante, disse que o réu não quitou a dívida, motivo pelo qual propunha a presente monitória.
 
Juntou documentos.
 
O réu apresentou Embargos à Monitória a f. 45/48, alegando nunca ter firmado qualquer negócio com a autora e que a duplicata cobrada era proveniente de um negócio firmado com outra empresa, para a qual teria feito o pagamento na forma devida.
 
Disse que o email que a autora disse ter enviado a ele, réu, para fins de sua notificação acerca da cessão do crédito, era um documento unilateral sem qualquer assinatura, de modo que não poderia ser considerado meio hábil a tal finalidade.
 
Discorreu sobre a impossibilidade de acatar o pedido da autora e verberou o valor cobrado, assinalando que ele continha juros abusivos e indevidos.
 
Com isso, pediu a procedência dos Embargos e a extinção da ação monitória.
 
Juntou documentos.
 
A embargada impugnou os Embargos, assinalando que a notificação se dera de forma correta, na qual constava a identificação dos dados necessários para que o embargante tivesse ciência inequívoca em relação a quem o pagamento deveria ser feito, de modo que ele não poderia negar sua validade.
 
Disse que a prova do contrato de factoring que firmara com a empresa que era a titular do crédito, do lastro entre o réu e aquela empresa e da notificação para o pagamento ao novel credor arrimavam o seu direito, descabendo qualquer argumento contrário.
 
Com isso, pediu a improcedência dos embargos e a constituição do título judicial em seu favor.
 
Sobreveio sentença a f. 76/77, que julgou improcedentes os embargos, ao fundamento de ter a embargada comprovado os pressupostos para o reconhecimento de sua titularidade sobre a duplicata e a legalidade da cobrança.
 
A embargante apelou à f. 79/84, repetindo as mesmas teses dos embargos à monitória, acrescentando, a f. 82:
 
"O alegado e-mail mencionado na inicial simplesmente demonstra que o réu recebeu a comunicação eletrônica. Porém obviamente jamais conduz a concordância com os seus termos e muito menos que teria havido aceite."
 
Disse ter feito o pagamento da dívida ao seu credor, isto é, a empresa com quem firmara o negócio que gerou a emissão da duplicata, no vencimento, e que tal pagamento somente poder ser feito àquela empresa, sob o risco de prejuízo por quitar dívida a quem não seria o legítimo credor.
 
Assim, com base nos mesmos argumentos expostos nos embargos, pediu a reforma da sentença e a extinção da monitória.
 
A embargada apresentou contrarrazões a f. 88/91, pela manutenção da sentença.
 
Em suma, é o que se tem a relatar.
 
Conheço do recurso porque presentes seus requisitos de admissibilidade.
 
O embargante repete na sua apelação os mesmos argumentos dos embargos, acrescentando ter quitado a dívida que assumira com a empresa Promes Comercial Ltda-ME que, a seu ver, seria a legítima detentora do direito de receber o pagamento da duplicada que arrimou a monitória, e assinala que não concordou com a transferência do crédito à embargada quando recebeu desta a notificação acerca da referida cessão de direito.
 
Inicialmente, importa esclarecer que, por força de lei, para que a embargada pudesse reivindicar seu direito ao pagamento do crédito que lhe foi cedido, teria ela de demonstrar, cabalmente, a cientificação do devedor acerca da sua titularidade sobre a cártula.
 
Aqui, inafastável o reconhecimento de ter havido a referida cientificação, não só porque o documento de f. 15, a meu aviso, é bastante para demonstrar que a apelada comunicou ao apelante a cessão do crédito, a si, pela empresa Promes Comercial Ltda-ME, onde se lê toda a identificação da dívida que lhe fora cedida.
 
No mesmo documento também se lê a confirmação do recebimento do email pelo apelante.
 
Não bastasse isso, o próprio apelante, em sua apelação, confessou ter sido notificado pela apelada, assinalando, a f. 82:
 
"O alegado e-mail mencionado na inicial simplesmente demonstra que o réu recebeu a comunicação eletrônica. Porém obviamente jamais conduz a concordância com os seus termos e muito menos que teria havido aceite."
 
Naturalmente, a que função da notificação, nos casos de cessão de crédito, como o que aqui se deu, ao contrário do entendimento da apelante, não é a de obter a concordância do devedor em relação a tal cessão, vez que o contrato de f. 18 é legal e a lei não impõe a concordância do devedor para a sua validade.
 
A notificação, na verdade, visa única e exclusivamente informar ao devedor aquele a quem ele deve efetuar o pagamento da dívida, para se evitar o pagamento a credor indevido.
 
No instituto da cessão de crédito não há necessidade de anuência do devedor para que a cessão seja válida.
 
Neste sentido, confira-se lição de Arnoldo Wald:
 
"Na cessão de crédito não se exige o consentimento de devedor, mas contra este somente passa a valer depois de ter sido o mesmo notificado (art. 1.069 do CC). Embora a notificação do devedor não seja indispensável para a realização da cessão, importa ela em impedir que o devedor venha a fazer o pagamento contra o cedente. Após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao cedente terá pago mal e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser evidente a sua má fé." (Obrigações e Contratos. Revista dos Tribunais, 7ª edição, p. 115)
 
O art. 290, do Código Civil em vigor, dispõe que:
 
"A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita".
 
De fato, o citado artigo prevê que a cessão de crédito não terá eficácia em relação ao devedor, "senão quando a este notificada".
 
No entanto, entendo que tal regramento deve ser devidamente compreendido e aplicado, sob pena de prestigiar o devedor, desobrigando-o de qualquer pagamento pela simples falta de notificação.
 
É que a notificação legalmente prevista, repita-se, não tem por finalidade obrigar o devedor do cumprimento da obrigação, já que a obrigação líquida e positiva já está no contrato, mas tão-somente evitar que pague a quem não mais tem legitimidade para dar quitação.
 
O tema já foi, inclusive, objeto de julgamento desta 17ª CC, como se vê:
 
- Não há necessidade de anuência do devedor para a validade da cessão de crédito. (...)- Recurso conhecido e não provido. (Apelação Cível 1.0145.11.037744-0/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/05/2012, publicação da súmula em 22/05/2012)
 
De resto, o pagamento realizado pelo apelante à empresa Promes Comercial Ltda-ME, demonstrado a f. 62, não obsta o direito da apelada ao seu crédito, porque a notificação que ela fez ao apelante se deu na data de 24/09/2010 (f. 15); a duplicata somente venceria em 20/10/2010 (f. 13); o referido pagamento ocorreu nesta data, isto é, 20/10/2010 (f. 62). Logo, quando o apelante já sabia que o pagamento não deveria ser feito àquela empresa.
 
Caso ele tivesse dúvidas acerca de quem seria o verdadeiro credor, e para evitar o pagamento indevido, cumpria-lhe entrar em contato com a Promes Comercial Ltda-ME e inquiri-la acerca da cessão do crédito, porque uma vez notificado pela apelada esta cumprira a sua obrigação como cessionária.
 
Não há, pois, qualquer argumento jurídico que justifique a pretensão da apelante, de modo que a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
 
Isso posto, nego provimento ao recurso.
 
DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. LEITE PRAÇA - De acordo com o(a) Relator(a).
 
SÚMULA: "RECURSO NÃO PROVIDO"