STJ - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - EXCLUSIVIDADE PARA EMPRESAS FINANCEIRAS

Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.101.375 - RS (2008/0240416-2) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
 
RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA 

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA 

RECORRIDO : LURDES TABORDA ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS 

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA CELEBRADA ENTRE PESSOA JURÍDICA E PESSOA NATURAL. REGIME JURÍDICO DO CÓDIGO CIVIL. BUSCA E APREENSÃO DE BEM MÓVEL PREVISTA NO DECRETO-LEI N. 911/1969, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.931/2004. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
1. Há regime jurídico dúplice a disciplinar a propriedade fiduciária de bens móveis: (i) o preconizado pelo Código Civil (arts. 1.361 a 1.368), que se refere a bens móveis infungíveis, quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica; e (ii) o estabelecido no art. 66-B da Lei n. 4.728/1965 (acrescentado pela Lei n. 10.931/2004) e no Decreto-Lei n. 911/1969, relativo a bens móveis fungíveis e infungíveis, quando o credor fiduciário for instituição financeira.
2. A medida de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/1969 consubstancia processo autônomo, de caráter satisfativo e de cognição sumária, que ostenta rito célere e específico com vistas à concessão de maiores garantias aos credores, estimulando, assim, o crédito e o fortalecimento do mercado produtivo.
3. O art. 8º-A do referido Decreto, incluído pela Lei n. 10.931/2004, determina que tal procedimento judicial especial aplique-se exclusivamente às seguintes hipóteses: (i) operações do mercado financeiro e de capitais; e (ii) garantia de débitos fiscais ou previdenciários. Em outras palavras, é vedada a utilização do rito processual da busca e apreensão, tal qual disciplinado pelo Decreto-Lei n. 911/1969, ao credor fiduciário que não revista a condição de instituição financeira lato sensu ou de pessoa jurídica de direito público titular de créditos fiscais e previdenciários. 
4. No caso concreto, verifica-se do instrumento contratual (fl. 12) a inexistência de entidade financeira como agente financiador. Outrossim, a recorrente intentou a presente demanda em nome próprio pleiteando direito próprio, o que aponta inequivocamente para a sua ilegitimidade ativa para o aforamento da demanda de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/1969. 
5. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 04 de junho de 2013(Data do Julgamento) 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 
Relator
 
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0240416-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.101.375 / RS

Números Origem: 10800001271 70024361271 70026322412 PAUTA: 21/05/2013 JULGADO: 21/05/2013 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

Secretária Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA

RECORRIDO : LURDES TABORDA

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Alienação Fiduciária 

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.
 
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0240416-2 REsp 1.101.375 / RS

Números Origem: 10800001271 70024361271 70026322412 PAUTA: 21/05/2013 JULGADO: 28/05/2013 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

Secretária Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA

RECORRIDO : LURDES TABORDA

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Alienação Fiduciária CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado para a próxima sessão, por indicação do Sr. Ministro Relator.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.101.375 - RS (2008/0240416-2) 

RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA 

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA 

RECORRIDO : LURDES TABORDA ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

1. Lojas Becker Ltda. ajuizou, em fevereiro de 2008, demanda em face de Lurdes Taborda, visando à busca e apreensão de bens (antena parabólica, aparelhagem de som, colchões e cantoneiras), objeto de contrato de alienação fiduciária firmado no ano de 2005. Em virtude de inadimplência, o débito foi renegociado, tendo a recorrida firmado uma confissão de dívida com novo prazo de pagamento parcelado, do qual apenas a primeira parcela foi quitada, fato que ensejou o protesto do título (fls. 3-7). 

A inicial foi indeferida pelo Juízo de piso, ao fundamento de que o pedido não preenchia os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n. 911/1969 (fl. 28). 

A recorrente retificou as mercadorias gravadas com a alienação fiduciária em sede de apelação - geladeira, aparelho de TV e fogão a gás -, conforme fl. 11 da confissão de dívida, pleiteando a não extinção do processo em face do equívoco perpetrado (fl. 38). 

O Tribunal de origem negou provimento à apelação, por fundamento diverso, nos seguintes termos (fls. 47-53): 

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO PROPOSTA POR LOJAS BECKER LTDA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DISPOSTOS NO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ART. 1.361 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE DO CONTRATO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 

Nas razões do recurso especial, interposto com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional, foi alegada violação aos arts. 66 do Decreto-Lei n. 911/1969 e 129 da Lei n. 6.015/1973, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 77-93) Em suma, sustentou a recorrente a desnecessidade do registro do contrato Documento: 1236977 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/07/2013 Página 5 de 16Superior Tribunal de Justiça de alienação fiduciária no Ofício de Títulos e Documentos, uma vez que tal medida objetiva apenas sua publicidade, de forma a resguardar o direito de terceiro de boa-fé. 

É o relatório.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.101.375 - RS (2008/0240416-2) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA 

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA 

RECORRIDO : LURDES TABORDA ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS 

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA CELEBRADA ENTRE PESSOA JURÍDICA E PESSOA NATURAL. REGIME JURÍDICO DO CÓDIGO CIVIL. BUSCA E APREENSÃO DE BEM MÓVEL PREVISTA NO DECRETO-LEI N. 911/1969, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 10.931/2004. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. 
1. Há regime jurídico dúplice a disciplinar a propriedade fiduciária de bens móveis: (i) o preconizado pelo Código Civil (arts. 1.361 a 1.368), que se refere a bens móveis infungíveis, quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica; e (ii) o estabelecido no art. 66-B da Lei n. 4.728/1965 (acrescentado pela Lei n. 10.931/2004) e no Decreto-Lei n. 911/1969, relativo a bens móveis fungíveis e infungíveis, quando o credor fiduciário for instituição financeira. 
2. A medida de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/1969 consubstancia processo autônomo, de caráter satisfativo e de cognição sumária, que ostenta rito célere e específico com vistas à concessão de maiores garantias aos credores, estimulando, assim, o crédito e o fortalecimento do mercado produtivo.
3. O art. 8º-A do referido Decreto, incluído pela Lei n. 10.931/2004, determina que tal procedimento judicial especial aplique-se exclusivamente às seguintes hipóteses: (i) operações do mercado financeiro e de capitais; e (ii) garantia de débitos fiscais ou previdenciários. Em outras palavras, é vedada a utilização do rito processual da busca e apreensão, tal qual disciplinado pelo Decreto-Lei n. 911/1969, ao credor fiduciário que não revista a condição de instituição financeira lato sensu ou de pessoa jurídica de direito público titular de créditos fiscais e previdenciários. 
4. No caso concreto, verifica-se do instrumento contratual (fl. 12) a inexistência de entidade financeira como agente financiador. Outrossim, a recorrente intentou a presente demanda em nome próprio pleiteando direito próprio, o que aponta inequivocamente para a sua ilegitimidade ativa para o aforamento da demanda de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/1969. 
5. Recurso especial não provido. 

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

2. A controvérsia, em princípio, ficaria limitada à questão acerca da necessidade de registro do contrato de alienação fiduciária no cartório competente, para fins de se processar a busca e apreensão de bem móvel, em decorrência do inadimplemento do financiamento. 

Não obstante, devolvida a matéria das condições da ação em toda sua profundidade ao conhecimento desta Corte Superior, impende salientar que o caso em julgamento versa sobre cláusula de alienação fiduciária inserta em contrato de compra e venda de bens móveis, celebrado entre pessoa natural e outra jurídica, razão pela qual pretendo abordar a questão sob enfoque diverso, perpassando necessariamente pela análise de dois pontos: (i) legitimidade da recorrente para figurar na qualidade de credor fiduciário; e (ii) legitimidade ativa ad causam para demanda visando à busca e apreensão dos bens. 

3. A alienação fiduciária em garantia é contrato acessório mediante o qual:
[...] o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário ) a propriedade resolúvel e a posse indireta de coisa móvel, dada como garantia do débito, resolvendo-se a obrigação com o adimplemento, ou seja, com o pagamento da dívida garantida, que implica a devolução do bem. (MILHOMENS, Jônatas; ALVES, Geraldo Magela. Manual prático dos contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 101) 

É bem de se notar que o instituto visa à garantia fiduciária, a qual consubstancia direito real, cujo escopo reside em dar substrato aos contratos de financiamento, dinamizando o crédito direto ao consumidor e promovendo a circulação de riquezas. 

Em verdade, o contrato encarta duas figuras jurídicas distintas: (i) a alienação fiduciária em garantia, que é o instrumento contratual que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária; e (ii) a propriedade fiduciária, que consubstancia a garantia real da obrigação assumida pelo alienante (devedor fiduciante) em prol do adquirente (credor fiduciário), o qual se converte em proprietário da coisa até a extinção do pacto principal pelo pagamento total do débito. 

Nesse sentido o magistério do Ministro José Carlos Moreira Alves:

[...] os autores que se têm ocupado, em nosso país, com a alienação fiduciária em garantia não fazem, com a necessária nitidez, distinção que é indispensável para o estudo sistemático desse instituto jurídico. Dão eles a impressão de que a alienação fiduciária é nova forma de garantia real. E daí nascem os erros inadmissíveis, pois a alienação fiduciária não é modalidade de garantia real, tal qual não o são o contrato de penhor e o contrato de hipoteca. O penhor e a hipoteca é que são espécies de garantia real. (MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária. São Paulo: Editora Saraiva, 1973, p. 32)

Inicialmente introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 4.728/1965, que regula o mercado de capitais, o instituto foi definitivamente delineado, tanto sob o prisma substancial quanto sob o processual, pelo Decreto-Lei n. 911/1969. 

Posteriormente, surgiram, ainda, a Lei n. 9.514/1997, estendendo-o também aos bens imóveis; o Código Civil de 2002; e a Lei n. 10.931/2004, que introduziu alterações materiais e instrumentais nos diplomas legais que regulamentam a matéria. 

Verifica-se, pois, que a propriedade fiduciária de bens móveis obedece a regime jurídico dúplice: (i) bens móveis infungíveis, quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica, encontra-se regulada pelo Código Civil (arts. 1.361 a 1.368); e (ii) a de bens móveis fungíveis e infungíveis, quando o credor fiduciário for instituição financeira, encarta-se nas disposições do art. 66-B da Lei n. 4.728/1965, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, e Decreto-Lei n. 911/1969. 

4. De início, no tocante ao objeto da alienação fiduciária, penso ser interessante a distinção entre bens fungíveis e infungíveis, de modo a evitar eventual dúvida quanto ao enquadramento do caso concreto na respectiva lei de regência. 

Como se sabe, bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade; enquanto os bens infungíveis são aqueles insuscetíveis de substituição, dada sua individuação e especificidade. 

Notadamente, a infungibilidade - diversamente da fungibilidade - pode ser objeto de convenção das partes, que podem, assim, individualizar o bem por ocasião da celebração do contrato de compra e venda - quer pela exteriorização de marcas, sinais ou número de série, quer por alguma outra forma vislumbrada pelo credor -, em cujo interesse se dá a medida. 

Em outras palavras, a infungibilidade de um bem é fruto de sua individuação.

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa: 

A vontade das partes não pode tornar fungíveis coisas infungíveis, por faltar praticidade material. No entanto, a infungibilidade pode resultar de acordo de vontades ou das condições especiais da coisa, à qual, sendo fungível por natureza, se poderá atribuir o caráter de infungível. 
[...] A fungibilidade é qualidade da própria coisa. Haverá situações em que apenas o caso concreto poderá classificar o objeto. Uma garrafa de vinho raro, de determinada vindima, da qual restam pouquíssimos exemplares, será infungível, enquanto o vinho, de maneira geral, é fungível. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado . São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 95) 

Assim, no caso concreto, a afetação de geladeira, aparelho de TV e fogão a gás - indicados como bens objeto do contrato de compra e venda/alienação fiduciária celebrado entre as partes (fl. 35) -, tem o condão de torná-los bens infungíveis, passíveis de enquadramento, em linha de princípio, tanto no regime jurídico do Código Civil quanto no do Decreto-Lei n. 911/1969. 

5. No que tange à legitimidade para pactuação da alienação fiduciária, verifica-se que, na gênese do instituto, predominava o entendimento de que apenas as 
instituições financeiras eram autorizadas a receber a propriedade fiduciária de bens móveis corpóreos como garantia, sob o fundamento de que sua introdução no direito pátrio deu-se por meio de lei especial disciplinadora do mercado de capitais (Lei n. 4.728/1965). 

O Decreto-Lei n. 911/1969 alterou a redação do art. 66 da referida lei e também instituiu a tutela jurisdicional atinente às relações intersubjetivas decorrentes da criação do novel negócio jurídico, mormente ante o objetivo constante da exposição de motivos, qual seja: "dar maiores garantias às operações feitas pelas financeiras, assegurando o andamento rápido dos processos, sem prejuízo da defesa, em ação própria, dos legítimos interesses dos devedores". 

E, consoante lição do renomado Ministro Moreira Alves, o Decreto-Lei 911/1969, "ao disciplinar a ação de busca e apreensão, restringiu de tal forma a defesa do réu que tornou evidente a inaplicabilidade do instituto nas relações entre particulares", uma vez que tais medidas coibitivas do direito de defesa quebrou "[...] o equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, dando-se tal prevalência àquele que, para não se chegar à iniqüidade, facilitando-se, inclusive, a usura, é mister se interprete restritivamente o termo credor utilizado genericamente, no referido Decreto-lei. (MOREIRA ALVES, José Carlos. Op. Cit., p. 101-102). 

Nessa linha de entendimento, é forçoso concluir que esse diploma legal preservou como sujeito ativo da alienação fiduciária o credor fiduciário, o qual, segundo o magistério de Cristiano Chaves de Farias: 
 
[...] tratava-se da pessoa jurídica concedente do empréstimo, sendo esta instituição financeira também conhecida como credor, adquirente ou possuidor indireto. Invariavelmente, na forma de sociedade anônima, privada ou de economia mista, autorizada pelo Banco Central, ou administradoras de consórcios regularmente constituídas. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 381) 

No mesmo sentido, Márcio Calil de Assumpção: 

Exatamente pelos contornos céleres e eficientes do Decreto-Lei nº 911/69, e diante do entendimento pretoriano no sentido de que a alienação fiduciária poderia gerar desigualdades entre credores e devedores, se aplicada a quaisquer pessoas físicas e/ou jurídicas indiscriminadamente, acabou por ficar essa garantia restringida no âmbito do mercado financeiro e de capitais, mercado esse submetido à fiscalização do Poder Público. (ASSUMPÇÃO, Márcio Calil de. Ação de busca e apreensão; alienação fiduciária. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 163) 

A jurisprudência do Pretório Excelso erigiu-se nesse mesmo sentido: 

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. FIRMOU-SE A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F. NO SENTIDO DE QUE SOMENTE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E OS CONSÓRCIOS AUTORIZADOS DE AUTOMOVEIS É QUE PODEM UTILIZAR-SE DO INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ADMITE A DOUTRINA QUE AS ENTIDADES ESTATAIS OU PARA-ESTATAIS SÃO IGUALMENTE LEGITIMADAS PARA RECEBER TAL TIPO DE GARANTIA, COMO RESULTA DO ART. 5. DO DECRETO-LEI N. 911-69. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 111219, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 10/12/1987, DJ 18-03-1988 PP-05571 EMENT VOL-01494-03 PP-00532) 

Nessa linha evolutiva, vale mencionar o precedente do STF, de relatoria do Ministro Thompson Flores, que assentou a possibilidade de os consórcios utilizarem esse negócio jurídico, em virtude da existência de lei específica nesse sentido: 

A legitimidade da utilização da alienação fiduciária pelos consórcios advém de imposição normativa constante do art. 7 da Lei n. 5.768/71, e dos desdobramentos que se lhe seguiram (D.79.951, art. 40- redação dada pelo D. 72.411/73; instruções normativas n. 31, de 21.08.72 e 55, de 13.09.72, da Secretaria da Receita Federal e Portaria n. 446 do Ministro da Fazenda). A garantia real (propriedade fiduciária) decorrente da alienação fiduciária em garantia pode ser utilizada nas operações de consórcio, que se situam no terreno do sistema financeiro nacional, e que se realizam sob fiscalização do Poder Público, da mesma forma como ocorre com as operações celebradas pelas financeiras em sentido estrito. (RE 92736, Relator(a): Min. THOMPSON FLORES, Primeira Turma, julgado em 24/06/1980, DJ 12-08-1980 PP-05789 EMENT VOL-01178-03 PP-01098) 

Seguindo a mesma lógica, verifica-se a existência de legislação especial autorizando a pactuação da propriedade fiduciária em outros casos específicos, tais como: o Decreto n. 62.789/1968, franqueando a contratação da alienação fiduciária em garantia do pagamento de débitos perante a previdência social; a Lei n. 6.729/1979, permitindo sua utilização pelos consórcios; e a Lei n. 8.929/1994, admitindo a garantia fiduciária das obrigações oriundas de Cédula de Produto Rural. 

Dessarte, até a edição do novo Código Civil, somente as instituições financeiras - em sentido amplo - e as entidades estatais e paraestatais estavam legitimadas à celebração de contrato de alienação fiduciária, sendo certo que apenas as operações previstas especificamente em lei poderiam ser garantidas pela propriedade fiduciária. 
 
Isso porque, consoante cediço, os direitos reais somente podem ser criados por lei, jamais pela vontade das partes. 

O Código Civil de 2002 estendeu o campo material de aplicação dessa garantia real às pessoas jurídicas e naturais indistintamente, uma vez que não impôs nenhuma restrição à pessoa do credor, consoante se dessume da leitura atenta dos arts. 1.361 a 1.368.

Cristiano Chaves corrobora esse entendimento:
 
[...] o art. 1.361 do Código Civil não explicita a natureza do credor em favor do qual o devedor transfere o bem, possibilitando-se, agora, a universalização do modelo do negócio fiduciário, pela extensão da posição de credor às pessoas naturais. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. Cit., p. 381) 

Na mesma linha, o Ministro Cesar Peluso: 

Antes da vigência do Código Civil de 2002, grassava na doutrina séria divergência sobre a possibilidade de pessoas jurídicas - ou naturais - que não instituições financeiras, pudessem figurar como credoras fiduciárias. A tendência majoritária era no sentido de reservar o instituto somente às instituições financeiras e entidades equiparadas, como consórcios [...]. Agora não mais. Abre o Código Civil a possibilidade de qualquer credor, pessoa jurídica ou natural, usar a propriedade fiduciária para garantir o adimplemento de obrigações. (Coordenador: Cezar Peluso. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Manole, p. 1.404) 

6. No caso concreto, não foi anexado o contrato de compra e venda/alienação fiduciária, mas sim o instrumento de confissão de dívida em que reiterado o gravame oriundo da alienação fiduciária e no qual consta como credora a ora recorrente, sem nenhuma menção à figura de outra entidade como agente financiador (fl. 12): 

Por este instrumento particular de confissão de dívida, o (a) Senhor (a) Lurdes Taborda, inscrito (a) no CPF/MF sob o número 00000011987006, residente e domiciliado (a) na Rua Palmeiras, 262, Centro, Tucunduva, RS, confessa ser devedor (a) da empresa Lojas Becker Ltda., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o número 04.415.928/0001-98, com matriz estabelecida na Rua Cel. Jorge Frantz, 535, em Cerro Largo-RS [...] 

Some-se a isso que a ora recorrente intentou a presente demanda em nome próprio, pleiteando direito seu, de modo que ressoa inequívoca a inexistência de participação de instituição financeira na operação de financiamento. 

Nessa linha de intelecção, à luz dos diplomas legais adrede analisados, forçoso concluir que o caso em julgamento não se encarta na hipótese legal prevista no Decreto-Lei n. 911/1969, que confere legitimidade apenas às entidades financeiras lato sensu, enquadrando-se, portanto, na hipótese prevista no Código Civil. 

7. Alfim, cabe-nos examinar a questão relativa à legitimidade ativa ad causam para a demanda que visa à busca e apreensão decorrente do contrato de alienação fiduciária. 

A medida de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/1969 não se confunde com a cautelar contemplada no Código de Processo Civil, não apenas por ter o escopo exclusivo de apreender o bem objeto do contrato, como também por não prescindir de justificação prévia, carecendo tão somente da comprovação da mora do devedor para obtenção da liminar. 

É processo autônomo, de caráter satisfativo e de cognição sumária, que ostenta rito célere e específico - desviando-se do procedimento ordinário, mormente quanto à defesa, antecipação de tutela, prazos e momento de realização da citação -, com vistas a conceder maiores garantias aos credores, estimulando, assim, o crédito e o fortalecimento do mercado produtivo. 

Nada obstante, o art. 8º-A, incluído pela Lei n. 10.931/2004, determina que o aludido procedimento judicial aplique-se exclusivamente às seguintes hipóteses: (i) operações do mercado financeiro e de capitais; e (ii) garantia de débitos ficais ou previdenciários. 

Confira-se: 

Art. 8º-A. O procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário. 

Nessa esteira, por disposição expressa da lei, é vedada a utilização do rito processual da busca e apreensão, tal qual disciplinado pelo Decreto-Lei n. 911/1969, ao credor fiduciário que não revista a condição de instituição financeira ou de pessoa jurídica de direito público titular de créditos fiscais e previdenciários. 

Nesse sentido, e esclarecendo também quais medidas judiciais estão à disposição do credor fiduciário não abrangido pela regra do referido Decreto-Lei n. 911/1969, Melhim Namem Chalhub leciona: As principais ações a que está legitimado o credor no contrato de alienação fiduciária de bens móveis são as de busca e apreensão, possessória, de depósito e de execução. 
Até o advento da Lei 10.931/2004 a realização da garantia decorrente do contrato de alienação fiduciária se fazia quase que exclusivamente por meio da busca e apreensão do bem, executada mediante ação regulamentada pelo Decreto-lei nº 911/69. O procedimento é célere e possibilita a apreensão do bem liminarmente, embora assegurando ao devedor o direito de purgar a mora. 
De acordo com a legislação anterior ao Código Civil, só eram legitimadas para receber a propriedade fiduciária em garantia de bens corpóreos as instituições financeiras e outras pessoas jurídicas a que a lei viesse a reconhecer legitimidade. O novo Código Civil, entretanto, ao tratar da propriedade fiduciária de bens móveis, retirou essa restrição, possibilitando a contratação da alienação fiduciária para garantia de quaisquer obrigações (arts. 1.361 a 1.368). 
A despeito do alargamento do campo de aplicação dessa garantia, o legislador resolveu restringir a legitimidade para o procedimento especial regulamentado pelo Decreto-lei nº 911/69 às pessoas jurídicas de direito público e àquelas submetidas diretamente à fiscalização e ao controle do Estado, somente admitindo essa ação de busca e apreensão quando a garantia tiver por objeto créditos fiscais, previdenciários e os constituídos no âmbito do mercado financeiro e de capitais (art. 8º A do Decreto-lei 911/69, com redação dada pelo art. 56 da Lei 10.931/2004). 
Para marcar a distinção entre essas duas modalidades de contrato de alienação fiduciária, Paulo Restiffe Neto cunhou expressões próprias de identificação, denominando paritária a alienação fiduciária regulamentada pelo Código Civil, porque essa espécie, em princípio, é contratada entre iguais, havendo presumivelmente equiparação econômica e técnica entre as partes, e mercadológica a alienação fiduciária de que trata o Decreto-lei nº 911/69, porque esta espécie se caracteriza pela não-equiparação entre as partes, havendo, ao contrário, desigualdade entre elas, seja do ponto de vista econômico ou técnico, situação que, pela vulnerabilidade em que se encontraria o devedor, configuraria uma relação de consumo. 
Assim, na alienação fiduciária de bens móveis corpóreos, haverá procedimentos próprios para tutela judicial dos direitos do credor, conforme seja ela contratada no âmbito mercadológico ou paritário , isto é: 
a) ação de busca e apreensão regulada pelo Decreto-lei 911/69, com a redação dada pela Lei 10.931/2004, para a qual somente estão legitimados o fisco, a previdência e as entidades que operam no mercado financeiro e de capitais, e b) ação de reintegração de posse ou ação reivindicatória ou, ainda, ação de depósito, para a qual estão legitimadas todas as demais pessoas, naturais ou jurídicas, que sejam titulares de propriedade fiduciária de bens móveis em garantia. (CHALHUB, Melhim Namem. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 218-219) 

Corroborando esse entendimento, doutrina específica sobre o tema:
 
[...] a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ("Novo Código Civil"), estendeu Documento: 1236977 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/07/2013 Página 1 4 de 16Superior Tribunal de Justiça às relações jurídicas entre quaisquer pessoas físicas e jurídicas, 
independentemente de sua atividade profissional, a possibilidade de constituição de propriedade fiduciária (com escopo de garantia), restringido apenas seu objeto que, diferentemente do previsto para o Mercado de Capitais, deverá, nas relações entre particulares, ficar centrado em bens móveis infungíveis (Código Civil, arts. 1.361 a 1.368). 
Todavia, as disposições do Decreto-lei nº 911/1969, em especial no tocante à célere e eficaz AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO, permanecem restritas às instituições financeiras e ao fisco, remanescendo para a alienação fiduciária de que trata o Código Civil a via processual da ação reivindicatória (em nossa opinião), e, para a doutrina também a via possessória, a serem percorridas pelo credor fiduciário que, desta feita, se submeterá ao procedimento comum ordinário na hipótese de 
inadimplemento do devedor fiduciante. 
Esse entendimento, esposado logo após o advento do Novo Código Civil (vide art. 2.043 do novo Código), veio a ser confirmado com o advento da Lei nº 10.931/04, que, no mesmo sentido incluiu o art. 8-A no Decreto-lei nº 911/69. Logo, não apenas por uma questão de hermenêutica, mas agora por disposição legal, à alienação fiduciária constituída como garantia de outros pactos de natureza civil ou mercantil não se aplica o rito processual especial do Decreto-lei nº 911/69. (ASSUMPÇÃO, Márcio Calil de. Op. Cit., p. 168-169) 

Sintetizando a questão, Gustavo Tepedino: 

No que tange ao DL 911/1969, como observado anteriormente, suas regras materiais consideram-se derrogadas pelo CC, ao passo que suas regras processuais se aplicam somente às hipóteses de alienação fiduciária em garantia de dívidas constituídas no mercado financeiro e de débitos fiscais ou previdenciários, por força do art. 8°-A. (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme a Constituição da República . Rio de Janeiro, 2011, p. 747) 

8. Dessarte, tendo em vista a ilegitimidade ativa da recorrente para o aforamento da ação de busca e apreensão contemplada no Decreto-Lei n. 911/1969 - porquanto não se trata de instituição financeira -, mantenho o acórdão recorrido por fundamento diverso.
 
Impende registrar que o contrato de compra e venda/alienação fiduciária foi celebrado no ano de 2005, consoante se dessume dos termos da petição inicial e dos documentos acostados às fls. 16-24, ou seja, sob a égide do Código Civil e na vigência da Lei n. 10.931/2004. 

9. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial, ainda que por fundamento diverso. 

É o voto. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2008/0240416-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.101.375 / RS

Números Origem: 10800001271 70024361271 70026322412 PAUTA: 21/05/2013 JULGADO: 04/06/2013 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

Secretária Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO

RECORRENTE : LOJAS BECKER LTDA

ADVOGADO : DIEGO DA SILVA FONTOURA

RECORRIDO : LURDES TABORDA

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Alienação Fiduciária CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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