TJRS - CHEQUE DE FAVOR VENDIDO PARA FACTORING - MANUTENÇÃO DO DEVER DE PAGAMENTO POR PARTE DO EMITENTE

Ementa: EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. Considerando que a embargante não logrou êxito em infirmar a certeza, liquidez e exigibilidade dos títulos que lastreiam a execução, é de rigor o desacolhimento dos presentes embargos. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70056587686, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 24/10/2013)
 
Número do processo: 70056587686
Comarca: Comarca de Porto Alegre
Data de Julgamento: 24-10-2013
Relator: Paulo Sérgio Scarparo
PODER JUDICIÁRIO 
 
---------- RS ----------
 
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
 
PODER JUDICIÁRIO
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA 
 
PSS
 
Nº 70056587686 (N° CNJ: 0383395-50.2013.8.21.7000)
 
2013/Cível
 
EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES.
 
Considerando que a embargante não logrou êxito em infirmar a certeza, liquidez e exigibilidade dos títulos que lastreiam a execução, é de rigor o desacolhimento dos presentes embargos.
 
APELO PROVIDO. 
 
Apelação CívelDécima Sexta Câmara Cível
Nº  70056587686 (N° CNJ: 0383395-50.2013.8.21.7000)Comarca de Porto Alegre
GSEIS FOMENTO COMERCIAL LTDA.APELANTE
IDEMAR SIMIAOAPELADO
ACÓRDÃO
 
 
           Vistos, relatados e discutidos os autos.
 
           Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover o apelo.
 
           Custas na forma da lei.
 
           Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Ergio Roque Menine (Presidente) e Desa. Catarina Rita Krieger Martins.
 
           Porto Alegre, 24 de outubro de 2013. 
 
 
DES. PAULO SERGIO SCARPARO,
 
Relator.
 
RELATÓRIO
 
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
 
           Inicialmente, adoto o relatório da sentença (fl. 58):
 
           IDEMAR SIMIÃO propôs embargos à execução que lhe é movida por GSEIS FOMENTO COMERCIAL LTDA., alegando que não emitiu cheques em favor da empresa embargada. Aduziu que os cheques ora executados foram emprestados a uma familiar que os repassou a terceiro, o que não era do conhecimento do embargante, motivo pelo qual sustou os cheques diretamente com o banco. Afirmou que a embargada é empresa de factoring, que, portanto, recebe os cheques em razão de cessão onerosa de crédito e não de endosso, podendo-lhe ser opostas as exceções relativas ao credor originário. Acresceu que não foi notificado da cessão. Requereu, assim, fosse atribuído efeito suspensivo aos embargos, bem como fossem julgados procedentes os embargos, para declarar a inexigibilidade do título. Postulou fosse-lhe deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.
 
           A embargada, em sua resposta, trouxe que o juízo não está garantido, não podendo prosseguir os embargos. No mérito, afirmou que recebeu o cheque por endosso, não lhe sendo oponível o negócio subjacente, por ser terceiro de boa-fé. Pugnou, desse modo, pelo desacolhimento dos embargos. Juntou documentos.
 
           Não houve réplica. 
 
           Os embargos foram acolhidos, nos seguintes termos (fl. 59):
 
           Isso posto, ACOLHO OS EMBARGOS e JULGO EXTINTA A EXECUÇÃO, com base no art. 267, VI, do CPC, tendo em vista a ausência de título executivo extrajudicial, por inexigibilidade do título.
 
           Condeno a embargada-exequente ao pagamento das custas dos embargos e da execução, bem como honorários advocatícios ao patrono do embargante, que fixo em 15% do valor da execução atualizado até a data do pagamento pelo IGP-M FGV. 
 
           Irresignada com o deslinde dado ao feito, apela a parte embargada/exequente, alegando que os cheques lhe foram transferidos por endosso, sendo-lhe, por conseguinte inoponíveis exceções pessoais. Postula o provimento do recurso, desacolhendo-se os embargos (fls. 62-70).
 
           Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 74v).
 
           Vieram os autos conclusos em 24.09.2013 (fl. 75v).
 
           Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, considerada a adoção do sistema informatizado.
 
            É o sucinto relatório.
 
VOTOS
 
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
 
           É incontroverso que a embargada/exequente adquiriu os cheques que lastreiam a execução por meio de contrato de fomento mercantil, consoante se afere das fls. 43-46 deste embargos.
 
           Nas palavras judiciosas de Arnaldo Rizzardo, pelo contrato de factoring um comerciante ou industrial, denominado ‘faturizado’, cede a outro, que é o ‘faturizador’ ou ‘factor’, no todo ou em parte, créditos originados de vendas mercantis. Assume este, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente uma comissão.1
 
           Ainda segundo o mesmo autor, são efeitos do contrato de fomento mercantil: a) cessão de crédito pelo faturizado, a título oneroso, para o faturizador; b) sub-rogação do faturizador nos direitos do faturizado; c) criação de vínculo entre o faturizador e o comprador-devedor, desde que notificado o último da cessão e para efetuar os pagamentos ao primeiro2.
 
           Outrossim, Sílvio de Salvo Venosa3 lembra, inclusive, que o terceiro (no caso o comprador-devedor) pode opor todas as exceções pessoais contra o faturizador, nos exatos termos do art. 294 do Código Civil, que preceitua: O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.
 
           Desse modo, não há falar em aplicação dos princípios intrínsecos aos títulos de crédito, como, por exemplo, a inoponibilidade das exceções pessoais.
 
           Nesse sentido, os precedentes que seguem: 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES PRESCRITOS. EMBARGOS MONITÓRIOS. CONTRATO DE FATURIZAÇÃO. FACTORING. ENDOSSO. INOCORRÊNCIA. CESSÃO CIVIL. EXCEÇÕES PESSOAIS OPONÍVEIS A TERCEIROS. [...]
 
2. Sendo o cheque transmitido através de contrato de faturização (ou factoring) para empresa de fomento mercantil, entende-se que ocorre verdadeira cessão de crédito, nos termos da legislação civil. Sendo este o caso dos autos, não se aplicam os princípios próprios do direito cambiário, como a abstração e a inoponibilidade das exceções pessoais. [...] (Apelação Cível Nº 70035394048, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 12/07/2011) 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA. CHEQUE. ENDOSSO. FACTORING. DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. CESSÃO DE CRÉDITO.
 
O contrato de factoring não implica mero endosso de título, mas sim cessão de crédito. [...]
 
(Apelação Cível Nº 70040937773, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 06/07/2011) 
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. NEGÓCIO DESFEITO. PROTESTO. OPERAÇÃO DE FACTORING. Na operação de factoring, assumindo a empresa de fomento o risco da atividade comercial, não se aplica o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, inerente ao direito cambiário. Não se tratando de endosso mercantil, mas de cessão de crédito, é possível que a mácula do negócio jurídico subjacente seja suscitada [...]. (Apelação Cível Nº 70041185034, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 15/06/2011) 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CHEQUE. AÇÃO ANULATÓRIA. EMPRESA DE FACTORING. Figurando como portadora da cártula empresa de fomento mercantil, não há endosso cambial, mas mera cessão de crédito, assumindo a empresa de factoring os riscos pela atividade desenvolvida. Comprovada a ilicitude do crédito representado no cheque objeto da demanda, é caso de decretar-se a inexigibilidade do cheque, determinando-se a sustação dos efeitos do protesto. Caso em que, ademais, o devedor não foi notificado da cessão de crédito, não observado o teor do artigo 290 do Código Civil. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70036698520, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 11/05/2011) 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO. REVELIA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. ALEGAÇÃO DE DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. CIRCULAÇÃO DO TÍTULO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. [...]O contrato de faturização não implica mero endosso de título, mas sim cessão de crédito, de tal modo que a faturizadora, em operação que lhe é financeiramente vantajosa, assumindo o crédito, assume também o risco de eventual não recebimento. Substitui-se ao anterior credor, razão pela qual podem ser-lhe opostas todas as exceções cabíveis perante o credor originário. [...] (Apelação Cível Nº 70032813255, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 24/03/2011) 
 
           Dito isso, anoto que, no caso concreto, a parte embargante/executada limitou-se a arguir que cedera os cheques objeto da execução para uso por familiares, e que não teria conhecimento acerca de sua circulação.
 
           Ora, se a embargada/exequente admite ter cedido os cheques para terceiros assumiu os riscos daí decorrentes, dentre os quais o de satisfazer as obrigações nele incorporadas.
 
           Surge extravagante a tese da embargante/executada que teria sido surpreendida pela circulação dos cheques pois, por óbvio, cedeu o título a seu familiar para que fosse utilizado para transação com terceiros.
 
           Desse modo, é de ser reconhecida a higidez das cártulas, de modo que não subsistem os presentes embargos à execução, já que nada veio aos autos que possa infirmar a existência, liquidez ou exigibilidade dos títulos.
 
           Com essa breves considerações, voto pelo provimento do apelo, para o fim de julgar improcedentes o pedido veiculado nos presentes embargos à execução.
 
           Face ao deslinde dado ao feito, condeno a parte embargante/executada suportar os ônus sucumbenciais, arbitrados os honorários da parte embargada/exequente, nos termos do § 4º do art. 20 do CPC, em 1.000,00, suspensa a exigibilidade, por litigar a sucumbente sob o manto da gratuidade da justiça (fl. 52).  
 
Desa. Catarina Rita Krieger Martins (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
 
Des. Ergio Roque Menine (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a). 
DES. ERGIO ROQUE MENINE - Presidente - Apelação Cível nº 70056587686, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO." 
 
 
Julgador(a) de 1º  Grau: VIVIANE SOUTO SANT'ANNA
 
1 Contratos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. Pág. 1387.
 
2 Op. cit. Pág. 1.389.
 
3 Direito Civil. Vol. III. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. Pág. 623.