TJSC - FACTORING - NÃO APLICAÇÃO CDC - COMPROMISSO ARBITRAL - POSSIBILIDADE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR COBRANÇA INDEVIDA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DAS REGRAS ATINENTES AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EMPRESA DE FACTORING QUE NÃO FAZ PARTE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
SENTENÇA QUE DETERMINOU A EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (ART. 267, VII, CPC). PARTES QUE PACTUARAM O COMPROMISSO ARBITRAL. CLÁUSULA DEVIDAMENTE DESTACADA EM NEGRITO, NOS TERMOS DO ART. 4º DA LEI 9.307/96. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PRESENTE CASO, AINDA QUE SE TRATE DE CONTRATO DE ADESÃO. SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDA
 
Apelação Cível n. 2012.001771-0, de Jaraguá do Sul
 
Relator: Des. Guilherme Nunes Born
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR COBRANÇA INDEVIDA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DAS REGRAS ATINENTES AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EMPRESA DE FACTORING QUE NÃO FAZ PARTE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
SENTENÇA QUE DETERMINOU A EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (ART. 267, VII, CPC). PARTES QUE PACTUARAM O COMPROMISSO ARBITRAL. CLÁUSULA DEVIDAMENTE DESTACADA EM NEGRITO, NOS TERMOS DO ART. 4º DA LEI 9.307/96. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PRESENTE CASO, AINDA QUE SE TRATE DE CONTRATO DE ADESÃO. SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDA.
 
Recurso conhecido e improvido.
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.001771-0, da comarca de Jaraguá do Sul (1ª Vara Cível), em que é apelante Malhas Walupe Ltda, e apelado Tavares Fomento Comercial Ltda:
 
A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso para negar-lhe provimento. Custas legais.
 
O julgamento, realizado no dia 26 de setembro de 2013, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jânio Machado, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desa. Soraya Nunes Lins.
 
Florianópolis, 26 de setembro de 2013.
 
Guilherme Nunes Born
 
Relator
 
RELATÓRIO
 
1.1) Da inicial.
 
Malhas Walupe Ltda ajuizou Ação de Ressarcimento por Cobrança Indevida c/c Repetição de Indébito em face de Tefac-Tavares Fomento Comercial Ltda, alegando em síntese, que os representantes legais da requerente realizaram com a requerida a negociação e troca de cheques provenientes da venda de produtos de confecção.
 
Porém a negociação de troca de cheques foi realizada com valores excessivos de juros, com base em 5,5% ao mês, o que pode ser considerado agiotagem, culminando, inclusive, com a perda dos imóveis dos representantes legais da autora.
 
Diante desses fatos, requereu a concessão de antecipação de tutela, para não ocorrer a dilapidação do patrimônio da autora.
 
Quanto ao mérito, pugnou pelo ressarcimento da cobrança indevida efetuada pela ré e repetição de indébito; reparação dos danos morais e materiais e desfazimento do contrato de compra e venda dos imóveis usurpados.
 
Ao final, pugnou pela condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e a concessão da Justiça Gratuita.
 
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (fls. 11/308).
 
1.2) Da contestação.
 
Devidamente citada, a requerida apresentou resposta, na forma de contestação, sustentando, preliminarmente, a prescrição; a convenção da arbitragem; a ilegitimidade passiva da ré e litispendência. No mérito, a impossibilidade de desfazimento dos contratos de compra e venda dos imóveis e a ausência de ilegalidade dos contratos de factoring, sendo que a recompra foi previamente acordada pelas partes. Pugnou pelo acolhimento das preliminares, não sendo possível, pela improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação da autora nas verbas sucumbenciais.
 
1.3) Do encadernamento processual.
 
Em decisão às fls. 310/311 foi indeferido o pedido de concessão de Justiça Gratuita.
 
A autora interpôs recurso de Agravo de Instrumento.
 
Impugnação à contestação ofertada às fls. 406/409.
 
1.4) Da sentença.
 
Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Edenildo da Silva prolatou sentença sem resolução de mérito, com fulcro no art. 267, VII, CPC. Condenou o autor ao pagamento das custas e honorários, arbitrados em R$400,00.
 
1.5) Do recurso.
 
Inconformada com a prestação jurisdicional, a autora apelante Malhas Walupe Ltda interpôs o presente recurso de Apelação Cível, aduzindo a invalidade da cláusula compromissória em contrato de adesão- Lei 9.307/96. Ao final, pugna pelo provimento do recurso.
 
1.6) Das contrarrazões
 
Contrarrazões aportada às fls. 430/435.
 
Este é o relatório.
 
VOTO
 
2.1) Do objeto recursal.
 
Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da celeuma em comento está atrelado à legalidade da cláusula compromissória.
 
2.2) Do juízo de admissibilidade.
 
Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
 
2.3) Do mérito
 
Cuida-se de recurso interposto em face da decisão que julgou extinto o pedido sem resolução de mérito, face o reconhecimento da instituição da cláusula compromissória de arbitragem.
 
Primeiramente, no que se refere à aplicação das regras atinentes ao Código de Defesa do Consumidor, verifica-se a impossibilidade, uma vez que sequer existe a incidência de encargos contratuais bancários, uma vez que a apelada sequer integra o Sistema Financeiro Nacional.
 
Nos termos:
 
CONTRATO DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO.
APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE.
1. As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes.
2. "A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações". (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010).
3. Com efeito, no caso em julgamento, verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação de consumo.
4. Recurso especial não provido. (REsp 938.979/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012)

Portanto, não há que se falar na aplicação das regras atinentes ao Código de Defesa do Consumidor ao caso dos autos.

No que se refere à arbitragem, esta consiste na atribuição contratual, firmada por ambas as partes, destinada a resolver disputas entre as partes, sendo regulamentada pela Lei 9.307/96 e dotada de força executiva perante o Poder Judiciário.

Percebe-se que a cláusula compromissória é a promessa de que as partes contratantes submeterão futuro conflito em juízo arbitral, o que afasta a competência do juízo singular na resolução da lide.
 
É o que se retira do art. 4º da Lei 9.307/96:
 
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
 
Analisando o contrato de fomento mercantil firmado (fls. 393/396), observa-se da cláusula 19:
 
"Qualquer conflito decorrente do presente contrato, inclusive no que tange à sua execução ou interpretação será resolvido pela Arbitragem, conforme a Lei 9.30/96, elegendo as partes contratantes o Tribunal de Mediação e Juizado Arbitral de Jaraguá do Sul/SC, situado à rua Cel. Procópio Gomes de Oliveira, 809, Centro, em Jaraguá do Sul/SC."
 
O contrato em análise deve ser visto inicialmente pela forma como as cláusulas foram contextualizadas, mormente que redigidas exclusivamente pela empresa de fomento mercantil, remetendo-se ao conceito de adesão, em que Silvio Rodrigues conceitua:

[...] todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em bloco ou recusa tudo por inteiro.(In: Direito In: Civil, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 44).
 
Contudo, o simples fato de se tratar de contrato de adesão não lhe retira a legalidade, até porque previsto na legislação vigente.
Vislumbra-se que a referida cláusula não pode ser considerada nula, pois ainda que evidente a natureza adesiva, houve destaque em negrito da intenção das partes, tendo sido logo abaixo assinado pela aderente, ora apelante.
 
Desta forma, impossível a alegação de nulidade da referida cláusula, uma vez que pôde ser lida e compreendida pela parte contratante, prevalecendo o animus no momento em que firmaram a avença.
 
É a lição da doutrina:
 
Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: "pacta sunt servanta". O acordo de vontades faz lei entre as partes. Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos jurídicos para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória e estaria estabelecido o caos. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Volume 2. 3ª Edição. São Paulo. Editora Atlas; 2003. p. 376).
 
Sendo assim, os deveres de lealdade e boa-fé objetiva verificados no início do contrato, devem estar presentes durante a contratualidade e na execução do pacto, nos termos do art. 422, CC, razão pela qual é de ser mantida a condição estabelecida.
 
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência do STJ:
 
AÇÃO ORDINÁRIA. DISCUSSÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ATIVOS. DIFERENÇA DE PREÇO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE DO PROCESSO. Considerando tratar-se a cláusula compromissória, devidamente firmada no contrato de compra e venda de ativos, único que os autores pretendem como sustentação da demanda instaurada, pressuposto de validade objetivo extrínseco à relação processual, cumpre seu exame em ordem lógica anterior aos demais temas deduzidos nas contestações e no recurso interposto, sejam eles de ordem processual ou de preliminar de mérito. Reconhecida, no caso, a adoção contratual minuciosa e detalhada da cláusula, resta obstaculizada a intervenção judicial, submetendo-se o contrato, inclusive no ponto controvertido do preço estabelecido ao juízo de arbitragem, já consagrado como constitucional e legítimo pelos tribunais superiores, conforme precedentes jurisprudenciais. Incidência do disposto no art. 267, inciso VII, combinado com o inciso IV, do CPC, a autorizar o julgamento de extinção do processo sem exame de mérito. Matéria de ordem pública, devidamente arguida pelas partes interessadas, a todos os litigantes se estendendo. Fixação da verba sucumbencial. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70036347342, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, julgado em 15/07/2010). Grifei
 
PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. OBRIGATORIEDADE DA SOLUÇÃO DO LITÍGIO PELA VIA ARBITRAL, QUANDO EXISTENTE CLÁUSULA PREVIAMENTE AJUSTADA ENTRE AS PARTES NESTE SENTIDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1º, 3º e 7º DA LEI 9.307/96. PRECEDENTES. PROVIMENTO NESTE PONTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 791.260/RS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010).
 
No mesmo sentido, este Tribunal de Justiça:
 
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE SUJEIÇÃO À ARBITRAGEM E AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FACTORING. INSTRUMENTO COM CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE RECONHECEU A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE SUJEIÇÃO À ARBITRAGEM E EXTINGUIU O FEITO REVISIONAL COM BASE NO ART. 267, VII, DO CPC. SENTENÇAS MANTIDAS. ART. 515, § 1º, DO CPC. POSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO MATERIAL DO JULGADO SEM INFLUÊNCIA NA DECISÃO DE MÉRITO PELO JUÍZO AD QUEM. RECURSOS DESPROVIDOS. "Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula" (Art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96). "A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil" (Apelação Cível n. 2008.009431-7, da Capital - Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros). "Deve-se distinguir entre a extensão do efeito devolutivo da apelação, limitada pelo pedido daquele que recorre, e a sua profundidade, que abrange os antecedentes lógico-jurídicos da decisão impugnada. Estabelecida a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pelo apelante, todas as questões surgidas no processo, que possam interferir no seu acolhimento ou rejeição, devem ser levadas em conta pelo Tribunal" (STJ-3ª T., Resp 714068, Min. Nancy Andrighi, j. 1.4.08, DJU 15.4.08). (TJSC, Apelação Cível n. 2007.039808-5, de Orleans, rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. 15-04-2010).
 
Desta feita, é de ser mantida a sentença que reconheceu a convenção da arbitragem, eis que ausente qualquer ilegalidade no caso dos autos.
 
3.0) Conclusão.
 
Diante da fundamentação acima exarada:
 
3.1) conheço do recurso para:
 
3.1.1) negar provimento, mantendo incólume a sentença guerreada.
 
Este é o voto.
 
Gabinete Des. Guilherme Nunes Born