TJSP - FACTORING - NOTA PROMISSÓRIA EM GARANTIA DE EVENTUAL NECESSIDADE DE RECOMPRA - POSSIBILIDADE

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. EMBARGOS JULGADOS PROCEDENTES EM I GRAU. DECISÃO ALTERADA. TÍTULO REVESTIDO DAS FORMALIDADES LEGAIS. AUSÊNCIA DE PROVA NO SENTIDO DE QUE A EMISSÃO TENHA OCORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM O ORDENAMENTO. EMISSÃO EM GARANTIA A CONTRATO DE FACTORING. POSSIBILIDADE. VALIDADE DA NOTA PROMISSÓRIA ATRELADA AO CONTRATO DE FOMENTO À PRODUÇÃO. INVERSÃO DOS ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA DETERMINADA. RECURSO PROVIDO.

PODER JUDICIÁRIO 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 

ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0029898-68.2011.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante IMPULSO FOMENTO MERCANTIL LTDA, é apelado CELM COMPANHIA EQUIPARADORA DE LABORATÓRIOS MODERNOS. 

ACORDAM, em 22a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça dè São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U . " , de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FERNANDES LOBO (Presidente) e MATHEUS FONTES. 

São Paulo, 5 de dezembro de 2013. 

CAMPOS MELLO 
RELATOR 

PODER JUDICIÁRIO 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 

Ap. 0029898-68.2011.8.26.0068 Barueri Ia VC VOT O 3106 9 

Apte.: Impulso Fomento Mercantil Ltda. 

Apda.: Celm Companhia Equiparadora de Laboratórios Modernos 

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. EMBARGOS JULGADOS PROCEDENTES EM I GRAU. DECISÃO ALTERADA. TÍTULO REVESTIDO DAS FORMALIDADES LEGAIS. AUSÊNCIA DE PROVA NO SENTIDO DE QUE A EMISSÃO TENHA OCORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM O ORDENAMENTO. EMISSÃO EM GARANTIA A CONTRATO DE FACTORING. POSSIBILIDADE. VALIDADE DA NOTA PROMISSÓRIA ATRELADA AO CONTRATO DE FOMENTO À PRODUÇÃO. INVERSÃO DOS ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA DETERMINADA. RECURSO PROVIDO. 

É apelação contra a sentença a fls. 54/57, que julgou procedentes embargos à execução de título extrajudicial, nota promissória emitida em garantia a contrato de factoring. 

Alega a recorrente que a decisão não pode subsistir, pois, ao contrário do que ficou assentado na sentença, não se trata de contrato de empréstimo, mas de operação de factoring. Afirma que a devedora inadimpliu a obrigação que assumiu, o que motivou o protesto da nota promissória emitida em garantia à mencionada operação. Pede a inversão do resultado. 

Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos, os quais foram redistribuídos ao órgão prevento, por determinação exarada no acórdão a fls. 96/98. 

É o relatório. 

O recurso comporta provimento. 

No caso em tela, o que está sendo executada é nota promissória que está revestida das formalidades legais. Além disso, não há nenhuma prova de que a emissão tenha ocorrido em desconformidade com o ordenamento. 

Ao contrário do que ficou assentado na sentença recorrida, é fato incontroverso que a nota promissória objeto da demanda executiva foi emitida em garantia a contratos interligados de factoring convencional e de fomento à produção (cf. especialmente a cláusula 8a do contrato de fomento à produção, fls. 25). E isso não implica, por si só, a procedência dos embargos. Com efeito, mesmo que doutrinariamente possa ser sustentada a impossibilidade de instituição de garantias suplementares em operação de factoring, o fato é que não há no ordenamento nenhuma vedação com tal conteúdo. Admitir tal restrição acarretaria ofensa ao princípio constitucional da legalidade (art. 5°, II, da Constituição Federal). A propósito, é precisa a lição do Ministro José Celso de Mello Filho: "Qualquer comando estatal, ordenando prestação de ato ou abstenção de fato, impondo comportamento positivo (ação) ou exigindo conduta negativa (abstenção), para ser juridicamente válido, há de emanar de regra legal. O conceito de lei, a que se refere a Constituição, está vinculado ao critério subjetivo-orgânico. Em conseqüência, e para os efeitos desta regra, lei é todo ato normativo editado, ordinariamente, pelo Poder Legislativo, ou, excepcionalmente, pelo Poder Executivo (leis delegadas e decretos-lei), no desempenho de sua competência constitucional e segundo o rito estabelecido na própria Constituição. Apenas a lei em sentido formal, portanto, pode impor às pessoas um dever de prestação ou de abstenção." (in "Constituição Federal Anotada", Ed. Saraiva, 1984, p. 325). 

No mais, é sabido que as operações de factoring não estão revestidas de tipicidade legal. Não há no ordenamento positivo dispositivos que as regulem. Então, é inelutável a conclusão de que os apontamentos doutrinários a respeito de sua natureza jurídica, por respeitáveis que sejam, não podem ser adotados pelo intérprete e aplicador da lei quando contravenham algum dispositivo legal. É o que ocorre em relação à instituição de garantias suplementares, que podem ser convencionadas. Isso é possível, tanto quanto é possível que a endossatária de duplicatas objeto de contrato de factoring possa exercer seu direito de regresso contra a endossante e sacadora dos títulos, justamente por não haver no ordenamento nenhuma vedação a respeito. Não há nenhum fundamento legal a sustentar a assertiva de que nas operações de factoring em que haja endosso de títulos não é possível o exercício do direito de regresso e que o risco do negócio deve ficar concentrado no endossatário. Ao contrário, se os títulos são transferidos por endosso, esse endosso estará necessariamente sujeito ao regime da Lei Cambiaria, que assegura o direito de regresso ao endossatário e não prevê modalidade de renúncia. Mesmo aquela renúncia porventura expressa em contrato de fomento mercantil seria inócua, visto que a lei não admite declarações cambiárias fora da cártula (cf., a propósito, Francisco José Roque, "Dos Contratos Civis-Mercantis em Espécie", Ed. ícone, 1997, p. 18). A renúncia ao direito de regresso só poderá ser juridicamente válida, em caso de transferência por endosso, quando e se houver modificação legislativa (Fran Martins, "Contratos e Obrigações Mercantis", Ed. Forense, 7a ed., 1984, p. 554). Assim, aliás, já nesta Câmara (Ap. 1.320.431-8, de São Paulo). E esse entendimento também já foi externado no Superior Tribunal de Justiça (Rec. Esp. 820.672/DF, 3a T., Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, v. u., DJU 1.4.2008). 

Em conseqüência, se é possível o exercício do direito de regresso cambiário, também será possível a instituição de garantia suplementar na contratação de operação de factoring. 

Além do mais, a mera vinculação a contrato não desnatura tal promessa de pagamento, que deve ser honrada por quem assumiu essa obrigação. Nesse mesmo sentido, aliás, já decidiu esta Câmara no julgamento da demanda declaratória que envolveu as mesmas partes (Ap. 0013515-83.2009.8.26.0068 - cf. acórdão a fls. 86/93). Releva ainda notar que, na avença de fomento à produção, a embargada não efetuou mero empréstimo de numerário à embargante. Ao contrário, ela forneceu dinheiro para um fornecedor da apelante, o que é coisa muito diferente. A própria recorrente afirmou na inicial que o dinheiro foi endereçado a outra empresa e que esta, porém, deixou de lhe fornecer a matéria prima e os insumos correlatos. 

Lembre-se, além do mais, de que nota promissória vale pelo que representa, título abstrato que é. Recorra-se aqui ao antigo e preciso ensinamento de Pontes de Miranda, verbis: "A nota promissória é título abstrato. A abstração, que é um dos seus caracteres, deriva da lei, e não da vontade das partes. Assim, quando um tribunal diz que, estando a nota promissória ligada a contrato subjacente, perde o caráter de dívida líquida e certa e só por processo competente, não cambiário, pode ser verificada a liquidez e certeza da obrigação (Tribunal da Relação do Rio de Janeiro de 1933), incorre em heresia jurídica. A nota promissória, a que se refere um contrato, não perde o seu caráter de título abstrato, porque esse independe da vontade privada. A abstração dá ao título um bastar-se por si, que não têm as outras obrigações não-abstrai as. Junto a formalidade, fá-lo não atingível pelas provas fora dele e independente de fatos ou circunstâncias (2a Câmara do Corte de Apelação do Distrito Federal, 9 de novembro de 1906, R. de D. III, 169)" (in "Tratado de Direito Cambiário, Vol. II, Nota Promissória", Ed. Max Limonad, 2a ed., 1954, p. 29). 

Mesmo a eventual vinculação a contrato não altera a natureza das notas promissórias. O que se admite, em certas ocasiões, é o ajuizamento da chamada ação causai, a oposição formulada pelo devedor pelo não cumprimento do contrato original, conforme o disposto no art. 51 da Lei 2.044/08, que subsiste em nosso direito (cf. Fran Martins, "Títulos de Crédito", Vol. I, Ed. Forense, 2a ed., 1977, p. 407). 

E certo que é admissível, em tese, a discussão a respeito do negócio subjacente, quando travada entre o emitente e o beneficiário direto da emissão, os partícipes da relação jurídica originária (cf., a propósito, desta Corte a Ap. 746.919-4, de Catanduva, 7a Câmara, Rei. Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, apud "Jurisprudência Informatizada Saraiva", CD-ROM n° 18, 4o Trimestre/99; STJ - Rec. Esp. 11.468-0/RS, 4a T., Rei. Min. Sálvio de Figueiredo, in_ RSTJ 35/177), na forma do art. 51 do Decreto 2.044/08, não derrogado pela Lei Uniforme (cf., a propósito, Fran Martins, "Títulos de Crédito", Vol. II, Ed. Forense, 4a ed., 1988, p. 151; Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., ob. cit., p. 423). Esse dispositivo legal permite o exercício de direito pessoal do obrigado cambial contra o beneficiário. Ele não pode contestar a obrigação cambial resultante de título formalmente perfeito, mas pode contestar o direito do credor. Pode apresentar defesa fundada na relação jurídica de que proveio o título, ou ainda fundada em relação jurídica que porventura houver modificado a relação cambial. Pode alegar, por exemplo, que satisfez, no todo em parte, a importância que lhe é exigida, ou pode alegar que lhe compete direito de compensação (cf., a propósito, José Maria Whitaker, "Letra de Câmbio", Ed., Saraiva, 4a ed., 1950, p. 241). 

Mas relembre-se também de que, nesse caso, o encargo probatório de demonstrar que o título é inexigível cabe integralmente ao emitente, visto que o título, desde que revestido dos requisitos formais previstos em lei, confere ao beneficiário posição de supremacia jurídica, por se tratar de documento ao qual a lei confere força executiva. Tal supremacia é do credor munido de título executivo, permitindo-lhe o ataque ao patrimônio do devedor. Como afirma Humberto Theodoro Júnior: "... porque a posição do credor, na execução, é especialíssima, pois, para fazer valer seu direito, nada tem que provar, já que o título executivo de que dispõe é prova cabal de seu crédito e razão suficiente para levar a execução forçada até as últimas conseqüências'" (in "Curso de Direito Processual Civil", Vol. II, Ed. Forense, 39a ed., 2006, p. 385). 

No caso em tela, porém, a embargante sequer alegou na inicial dos embargos que a embargada descumpriu o contrato. Ainda que assim não fosse, o que se admite apenas por epítrope, outra não seria a solução a ser adotada, já que ficou devidamente comprovado nos autos que a apelante cumpriu sua parte na avença (cf. documentação a fls. 30/31). Assim, nada há a tisnar a validade da nota promissória atrelada ao contrato de fomento à produção celebrado pelas partes. 

Em conseqüência, não abalada a exigibilidade do título, outro não pode ser o resultado da demanda que não a improcedência dos embargos à execução. 

Invertido o resultado, inverto também os encargos de sucumbência, arbitrados os honorários advocatícios devidos pela embargante ao patrono da credora, nos termos do art. 20, §4°, do C.P.C., em R$ 7.500,00, atualizáveis a partir da intimação do presente. 

Pelo exposto, dou provimento ao recurso, para as finalidades acima explicitadas. 

Ap. 0029898-68.2011.8.26.0068 Barueri Ia VC VOT O 3106 9