TJSP - FACTORING - CONFISSÃO DE DÍVIDA DE TÍTULOS NÃO PAGOS PELOS SACADOS - LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE CONFIRMADA

TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Factoring. Embargos a execução. Dívida oriunda de títulos faturizados não pagos pelos sacados. Cobrança contra o cedente pelo faturizador que, entretanto, não se funda no direito de regresso ou na prévia constituição de garantia, mas sim por posterior celebração de instrumento particular de confissão de dívida, ora em execução. Liquidez, certeza e exigibilidade observados não infirmados. Rejeição dos embargos. Recurso provido para esse fim.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

11ª Câmara de Direito Privado 

Registro: 2014.0000161789

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0006114-14.2012.8.26.0008, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUANI FACTORING E FOMENTO MERCANTIL LTDA, é apelado MARIA DE FATIMA MONTECASCIANO. ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente), WALTER FONSECA E GIL COELHO. 

São Paulo, 20 de março de 2014. 

GILBERTO DOS SANTOS
RELATOR

Apelação n.º 0006114-14.2012.8.26.0008 - São Paulo -L- Voto nº 26272

Voto nº 26.272

Apelação n.º 0006114-14.2012.8.26.0008

Comarca: São Paulo - 1ª Vara Cível

Apelante: Luani Factoring e Fomento Mercantil Ltda 

Apelado: Maria de Fatima Montecasciano

Juiz(a) de 1ª Inst.: Fábio Rogério Bojo Pellegrino

TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Factoring. Embargos a execução. Dívida oriunda de títulos faturizados não pagos pelos sacados. Cobrança contra o cedente pelo faturizador que, entretanto, não se funda no direito de regresso ou na prévia constituição de garantia, mas sim por posterior celebração de instrumento particular de confissão de dívida, ora em execução. Liquidez, certeza e exigibilidade observados não infirmados. Rejeição dos embargos. Recurso provido para esse fim.

O caso dos autos não se enquadra em hipótese na qual o faturizador procura se munir de garantias prévias (promissórias em branco etc.), para garantir o pagamento do devedor do título negociado. Trata-se sim, de negócio posterior, espécie de novação, pela qual as partes “renegociaram os valores” relativos às “operações realizadas anteriormente”.

Embargos a execução de confissão de dívida oriunda de relação comercial de factoring foram acolhidos pela r. sentença de fls. 95/97, de relatório adotado, que julgou extinta a execução, impondo à vencida as custas, despesas processuais e honorários de advogado fixados em 15% do valor da causa. Apela a credora embargada (fls. 102/108) com pedido de reforma do julgado, sustentando que a cláusula 12 do contrato de fomento mercantil prevê que a empresa contratante responde pelo cumprimento das prestações constantes dos títulos cedidos. Ademais, não fosse isso, a execução tem por título executivo um instrumento de confissão de dívida, plenamente exequível nos termos do artigo 585, II, do CPC. Ressalta que a regra da irresponsabilidade do cedente pela solvência do devedor do título se reserva apenas aos casos em que não há “estipulação em contrário”, conforme art. 296, do CC.

Recurso preparado (fls. 114/115) e respondido pela embargante (fls. 124/126) que se bateu pela manutenção do julgado. É o relatório.

Respeitado o entendimento do MM. Juiz a quo, a r. sentença comporta reparo. De fato, razão não assiste à embargante quando se insurge contra a execução da confissão de dívida, pois ao que se vê do instrumento de fls. 29/30, a confissão foi feita para fazer frente a dívida da “importância de R$ 50.250,96 (cinquenta mil, duzentos e cinquenta reais e noventa e seis centavos) referente aos títulos não liquidados, conforme relação” (fls. 19). É equivocada a tese de que, uma vez cedidos os créditos, o risco pela cobrança passa totalmente ao endossatário. Assim, realmente pode ser, se no contrato não houver disposição em contrário. Mas este seguramente não foi o caso dos autos, portanto, subsistindo o direito de regresso da faturizadora contra a faturizada.

O contrato de factoring firmado pelas partes rezava no sentido de que: "Os títulos de crédito serão adquiridos mediante um preço livremente pactuado, e transferidos por endosso pleno, em preto, que se aperfeiçoará com a tradição dos títulos, respondendo a contratante pelo cumprimento da prestação constante dos títulos" (cláusula 12 fls. 25).

Pois bem, estabeleceu-se aí a responsabilidade opcional da faturizada pela solvência do devedor, fazendo incidir a regra do artigo 1.074 do Código Civil/1916; art. 296, Código Civil/2002. Comentando a respeito, ANTONIO CARLOS DONINI lembra lição de CLÓVIS BEVILÁQUA no sentido de que “...o cedente responde pela existência e pela legitimidade do crédito e não pelo adimplemento da obrigação por parte do devedor. Mas o mesmo dispositivo permite ao cedente que assuma, caso o desejar, tal responsabilidade, pois a expressão “salvo disposição em contrário” admite possa ele assegurar a solvência futura” (Factoring. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 108).

E na transposição desse efeito para a operação de factoring, referido jurista assim conclui, reafirmando a responsabilidade do endossante: “se no contrato contiver a convenção de responsabilidade do faturizado cedente (cessão de crédito) pela solvência do devedor, o faturizador, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o endossante-faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança” (Ob. cit., p. 111).

E nem se cogite embora não tenha sido objeto da inicial tal alegação em nulidade dessa cláusula, que preserva o direito de cobrança do crédito contra a coobrigada endossante. Vige o princípio da autonomia da vontade em matéria contratual, ainda mais porque o contrato de 'factoring' (espécie em que se pretende enquadrar a relação negocial das partes) não é típico, vez que não previsto em Lei nem em norma infralegal. Depois, deve ser visto, ainda, que o caso dos autos não se enquadra na hipótese descrita por ARNALDO RIZZARDO (Factoring, 3ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 129 e seguintes) onde o faturizador procura se munir de garantias prévias (promissórias em branco etc.), para garantir o pagamento do devedor do título negociado. Trata-se sim, de negócio posterior, espécie de novação, pela qual as partes “renegociaram os valores” relativos às “operações realizadas anteriormente”.

De resto, com todo o respeito, também não há como dar pela nulidade por vício de consentimento, especialmente coação, visto que nada há nos autos que autorize tal conclusão. Essa tese, aliás, vem apenas referida de passagem, sem particularizar no que teria consistido essa “coação”, até porque a responsabilidade existia só pelo contrato inicial, independentemente da confissão de dívida.

De resto, também cai por terra a mera alegação de que há excesso de execução, juros abusivos e capitalizados no trabalho de “agiotagem” fornecido pela empresa embargada. Afinal, todos os títulos que deram origem à confissão de dívida estão devidamente arrolados no documento para ampla conferência (fls. 19 e verso). E, além disso, a credora esclareceu que a executada chegou a pagar os valores de R$ 2.700,00 e mais um pagamento de R$ 4.213,14, portanto restando um saldo em aberto de R$ 43.337,82 (fls. 20). 

Quanto aos juros, forçoso crer que nem são da natureza do fomento mercantil, que envolve, a bem da verdade, taxas de compra dos papéis. Mas nem quando a isso soube indicar quais eram as praticadas na compra dos títulos representativos de crédito. De todo modo, diante dos termos vagos e imprecisos da defesa apresentada não era mesmo de se cogitar de prova pericial, nem, aliás, de prova alguma, pois é sabido e ressabido que "o fato indeterminado, ou indefinido, é insuscetível de prova" (MOACYR AMARAL SANTOS, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, IV vol., pág. 35, 3ª ed.). Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta, dou provimento ao recurso para declarar válida a execução pela quantia reconhecida na confissão de dívida, portanto rejeitando os embargos com a condenação da embargada ao pagamento das custas e honorários de advogado arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), montante razoável para o caso. 

GILBERTO DOS SANTOS
Desembargador Relator