TJRS - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO - FACTORING - QUITAÇÃO DIRETA COM CEDENTE - POSSIBILIDADE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÕES DE ANULAÇÃO DE TÍTULO COM INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. DUPLICATAS. CONTRATO DE FACTORING. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR SOBRE A CESSÃO DE CRÉDITO. QUITAÇÃO DO DÉBITO JUNTO AO CREDOR ORIGINÁRIO. PROCEDÊNCIA.

Número do processo: 70042435743
Comarca: Comarca de Caxias do Sul
Data de Julgamento: 03-04-2014
Relator: Nelson José Gonzaga

PODER JUDICIÁRIO 

---------- RS ----------

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 
 NJG

Nº 70042435743 (N° CNJ: 0176368-68.2011.8.21.7000)

2011/Cível

  • APELAÇÃO CÍVEL. AÇÕES DE ANULAÇÃO DE TÍTULO COM INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. DUPLICATAS. CONTRATO DE FACTORING. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR SOBRE A CESSÃO DE CRÉDITO. QUITAÇÃO DO DÉBITO JUNTO AO CREDOR ORIGINÁRIO. PROCEDÊNCIA.

  • Na operação de factoring o endosso não é cambial, mas, sim, caracteriza a cessão de crédito. O faturizador adquire créditos do faturizado, não havendo transferência cambiária, o que torna possível a verificação da causa debendi.

  • Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo (art. 292 do CC).

  • Autora que, sem ter conhecimento da negociação das duplicatas pela credora originária com a faturizadora apelante, efetivou o pagamento das cártulas junto a primeira.

  • Ausente notificação da devedora quanto à cessão de crédito pela cedente, tampouco pela cessionária.

  • Incabível o protesto dos títulos e a exigência do débito pela faturizadora.

  • Adequação dos honorários de sucumbência, os quais não devem sofrer redução.

  • Sentença de procedência que se mantém.

  • NEGARAM PROVIMENTO AO APELO UNÂNIME.  

Apelação CívelDécima Oitava Câmara Cível
Nº  70042435743 (N° CNJ: 0176368-68.2011.8.21.7000)Comarca de Caxias do Sul
REMUS FOMENTO MERCANTIL LTDAAPELANTE
SÃO LUIZ DERIVADOS DE PETROLEO LTDAAPELADO
BOSCHETTI ESTRUTURAS METÁLICAS LTDAINTERESSADO

ACÓRDÃO

            Vistos, relatados e discutidos os autos.

           Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

           Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. João Moreno Pomar e Des. Heleno Tregnago Saraiva.

           Porto Alegre, 03 de abril de 2014. 
 

DES. NELSON JOSÉ  GONZAGA,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Nelson José Gonzaga (RELATOR)

           REMUS FOMENTO MERCANTIL LTDA interpôs apelação contra sentença que, nas ações de anulação de título cumulada com inexistência de débito movimentadas por SÃO LUIZ DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA contra a primeira e contra Boschetti Estruturas Metálicas Ltda, entendeu por julgá-las procedentes para declarar a nulidades das duplicatas mercantis por indicação nº 000670-02 e nº 000670-03, objeto dos apontes, reconhecendo a inexigibilidade dos débitos em face da quitação. Mantidas as liminares de sustação dos protestos relativamente às duplicatas. Condenadas as rés ao pagamento das custas judiciais de ambos os processos e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da causa em cada um dos processos ao procurador da autora, nos termos do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

           No seu descontentamento, a afirmação de que a autora buscava a anulação das duplicatas de nº 000670-02 e nº 000670-03, que foram quitadas diretamente perante a empresa Boschetti Estruturas Metálicas, porém foram protestadas pela apelante por falta de pagamento. Disse que a requerente adquiriu produtos da empresa Boschetti por meio de negócio de compra e venda, ocasião em que as duplicatas foram emitidas, Em 22/01/2008, a vendedora firmou contrato de factoring com a apelante, envolvendo a compra de crédito dos títulos em questão. Aduziu que a demandante procedeu de forma errônea ao realizar o pagamento à credora originária, pois essa não tinha legitimidade para receber o pagamento dos títulos, pois firmou contrato de factoring com a recorrente, a qual, com a transferência das duplicatas, adquiriu o direito de cobrar o débito. Destacou que, após a realização do contrato de factoring, a apelante notificou devidamente a apelada em 26/03/2008, às 17h13min, para que efetuasse o pagamento para a cessionária, com base no artigo 286 do Código Civil. Ocorre que, na data aprazada, os títulos não foram liquidados junto à apelante, razão pela qual foram regularmente protestados. Destacou que o pagamento efetivado pela autora junto à cedente, empresa Boschetti, ocorreu nas datas de 22/04/2008 e de 07/05/2008, ou seja, em momento posterior à respectiva notificação. Ponderou, assim, que deveria ser viabilizada a cobrança de seu crédito, pois agiu com boa-fé, em consonância com o ordenamento jurídico. Aduziu a necessidade de minoração da verba honorária sucumbencial. Pugnou pelo provimento do recurso, a fim de que as ações fossem julgadas improcedentes (fls. 100/109).

           Sem contrarrazões (fl. 121).

           De registrar, por fim, que foi observado o previsto nos artigos 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

           É o relatório.

VOTOS

Des. Nelson José  Gonzaga (RELATOR)

           Eminentes Colegas:

           Cuida-se de apelação contra sentença que julgou procedente as ações de anulação de título com inexistência de débito, sob o fundamento de que as duplicatas foram negociadas por meio de contrato de fomento mercantil (factoring), sendo que a devedora quitou o débito perante a credora originária, sem que tenha sido notificada previamente da cessão, desobrigando-se, assim, perante a cessionária.

           Sem razão, porém.

           Imprescindível destacar, de começo, que o contrato de faturização ou factoring, em verdade, é uma cessão de crédito, onde o faturizador adquire créditos da faturizada, ou seja, não se está diante de hipótese em que o título circulou por endosso. O faturizador se sub-roga no direito representado no título adquirido.

           A factoring é uma operação de risco e não de crédito, de modo que o endosso lançado no título não é cambial, mas derivado da cessão de crédito levada a efeito no contrato defactoring, respondendo o cessionário pela existência, validade e eficácia do negócio jurídico subjacente que deu causa à emissão do título.

           Arnaldo Rizzardo1, em sua obra discorre sobre o contrato de factoring ou faturização afirmando que:

  •   “Se trata de um contrato atípico onde um comerciante ou industrial, denominado faturizado, cede a outro, que é o faturizador ou factor, no todo ou em parte, créditos originados de vendas mercantis. Assume este, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente uma comissão”. 

           Como é cediço, a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita, com base no artigo 290 do Código Civil.

           De lembrar que o conhecimento da cessão de crédito pelo devedor é feito pela notificação, a fim de que fique sabendo a quem vai pagar.

           A notificação do devedor é ônus que incumbe ao cedente, sem, contudo, subtrair-se tal direito ao cessionário, pois interessado no recebimento do crédito, conforme leciona o supracitado doutrinador2, nos seguintes moldes:

  • “Ao credor-cedente compete levar a cabo a comunicação, que procede-se mediante a via judicial ou extrajudicial. Não encetando a providência, parece viável ver má-fé na omissão, quiçá com finalidade escusa de enriquecimento indevido. No entanto, não é subtraído o direito de o cessionário proceder a notificação, tanto que interessado direito em receber o crédito. Poderá surgir oposição de parte do obrigado, eis que contraída a dívida junto ao cedente, máxime se o título não for cambiário ou ao portador (...)” 

           E conforme dispõe o artigo 292 do mesmo diploma legal, fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.

           Ao que verifico, a apelante entabulou contrato de compra e venda de produtos com a ré Broschetti Estruturas Metálicas Ltda, que originou a emissão da duplicata nº 000670-03, no valor de R$ 3.333,00 (fls. 16/17) e da duplicata nº 000670-02, também na quantia de R$ 3.333,00 (fl. 17 do apenso).

           Os referidos títulos foram cedidos à apelante pela empresa Broschetti, na data de 27 de março de 2008, por meio de contrato operacional de fomento mercantil (fl. 46).  E, diferentemente do que sustenta a recorrente, apenas o contrato-geral de fomento mercantil foi formalizado em 22/01/2008 (fls. 47/51) e não a negociação das cártulas em questão, que se deu no mês de março daquele ano.

           Ocorre que a recorrida, depois de ter ocorrido a operação de factoring, compareceu junto à vendedora, cedente dos títulos, e efetivou o pagamento da duplicata nº 000670-03 em 07/05/2008 (fl. 18) e da duplicata nº 000670-02 em 22/04/2008 (fl. 20 do apenso).

           Não há nos autos qualquer prova de que a devedora tenha sido notificada da cessão de crédito pela cedente, tampouco pela cessionária, ora apelante.

           Neste aspecto, importa referir que a lei é  clara ao estabelecer que por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

            O documento apresentado na fl. 57, correspondente à confirmação de títulos, enviado pela apelante por meio de fax à apelada, na data de 25 de março de 2006, ou seja, dois dias antes da formalização do contrato de factoring (fl. 46), não se presta para fazer as vezes da notificação da apelada quanto à cessão de crédito.

           Naquela oportunidade, ocorreu apenas a confirmação da regularidade dos títulos pela devedora, não havendo como essa ser cientificada acerca da cessão de crédito, negócio até então inexistente.

           Diante de tal situação,  sem notificação da devedora quanto à cessão de crédito, é possível depreender essa desobrigou-se com o pagamento efetivado junto a Boschetti Estruturas Metálicas Ltda, credora primitiva, o que enseja na inexigibilidade das cártulas. 

           Na jurisprudência, o mesmo sentimento:

  • FACTORING. PROCESSUAL CIVIL PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. Há cerceamento de defesa quando a parte á requereu a produção de certa prova, inclusive esclarecendo a que serviria e, silenciando ante despacho ordenando especificação de outras provas, profere o magistrado julgamento antecipado. Contudo, não se decreta a nulidade, quando não há prejuízo, o que ocorre, in casu, diante do exame do mérito. FACTORING. A falta de notificação da cessão de crédito, de ônus da faturizadora, afastados princípios cambiariformes, quando os cheques estão prescritos, aliada ao pagamento de boa fé realizado pelo emitente dos cheques ao cedente, afastam a procedência da ação monitória. Preliminar rejeitada. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70003137593, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rejane Maria Dias de Castro Bins, Julgado em 07/11/2001) 

  • APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE. EMPRESA DE FACTORING QUE RECEBEU O TÍTULO POR ENDOSSO. ASSUNÇÃO DOS RISCOS PELA ATIVIDADE DESENVOLVIDA. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, em se tratando de cheques recebidos em operação de factoring, o endosso reveste-se de natureza de cessão civil e não de transferência cambial, motivo por que correta a sentença recorrida ao afastar a aplicabilidade dos princípios da autonomia e da abstração dos títulos. Ausência de notificação do devedor quanto à cessão. Artigo 290 do Código Civil. Cártula paga ao credor originário. Sentença de extinção do feito, por carência de ação, confirmada. Manutenção dos honorários advocatícios tais como fixados. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70040725350, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 27/02/2014) 

  • APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLICATAS. CONTRATO DE FACTORING. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR ACERCA DA CESSÃO DE CRÉDITO. REGULARIDADE E VALIDADE DO PAGAMENTO FEITO AO CREDOR ORIGINÁRIO. Considerada a ausência de ciência do devedor acerca da cessão de crédito havida entre o exequente o credor originário, deve ser considerado válido e regular o pagamento efetuado pelo devedor ao credor originário. A intimação de protesto não pode ser confundida com a notificação de que trata o artigo 290 do Código Civil, aplicável aos contratos de factoring por ausência de legislação específica. Manutenção do julgamento de procedência dos embargos. RECURSO DESPROVIDO À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70048476071, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 30/08/2012) 

           Por derradeiro, não há o que minorar nos honorários de sucumbência, fixados em 20% sobre o valor da causa, uma vez que tal importância se mostra adequada e razoável para remunerar o trabalho desenvolvido pelo causídico da demandante, nos termos do artigo 20, § 4º do CPC.

           Concluo, por tais razões, que a sentença de procedência das ações de anulação de título com inexistência de débito merece ser mantida.

           Do exposto, VOTO em negar provimento ao apelo.  

Des. João Moreno Pomar (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Heleno Tregnago Saraiva - De acordo com o(a) Relator(a). 

DES. NELSON JOSÉ  GONZAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70042435743, Comarca de Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME." 
 

Julgador(a) de 1º  Grau: CARLA PATRICIA BOSCHETTI MARCON DELLA GIUSTIN

1 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Editora Forense, Rio de Janeiro, 4º edição, 2005, p. 1385.

2 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 266.