TJRS - GRAVAÇÃO TELEFÔNICA - VALIDADE DA PROVA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO. PROVA. GRAVAÇÕES. CONVERSAS TELEFÔNICAS. Não há que se falar em clandestinidade da gravação elefônica feita. Viabilidade da apreciação da prova produzida. DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
 
Agravo de Instrumento
Décima Primeira Câmara Cível
Nº 70056493661 (N° CNJ: 0373993-42.2013.8.21.7000)
Comarca de Canguçu
ARNOLDO SCHLEE
AGRAVANTE
BANCO DO BRASIL S/A
AGRAVADO
CREHNOR-SUL
AGRAVADO
COOPAL - COOPERATIVA DOS PEQUENOS AGRICULTORES PRODUTORES DE LEITE
AGRAVADO
DARIO VENSKE NEUTZLING
AGRAVADO
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao agravo de instrumento.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos (Presidente) e Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard.

Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2014.

DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL,
Relator.
 
RELATÓRIO
Des. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Arnoldo Schlee, inconformado com a decisão que determinou o desentranhamento dos DVDs e respectivas degravações juntadas aos autos.

O agravante sustentou que a clandestinidade da gravação não torna a prova ilícita, destacando que o diálogo também pertence ao trabalhador que gravou a conversa com a intenção de comprovar um direito, não se enquadrando na vedação do artigo 5º, inciso LVI, da CF. Obtemperou que a Suprema Corte passou a admitir a validade da gravação de conversa íntima, sem a ciência de outros interlocutores, nas hipóteses de haver excludentes de antijuridicidade, apontando precedentes. Referiu que o agravado Dario inclusive requereu perícia para aferir se existe a possibilidade de que tenham os CDs acostados tenham sido objeto de edição ou montagem. Com o provimento, pretende a reforma da decisão para impedir o desentranhamento dos vídeos e degravações, mantendo-os nos autos para que sejam apreciados em sentença.

O agravo foi recebido no efeito suspensivo (fls. 315/318).

Não foram apresentadas as contrarrazões pelos agravados.

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil (RELATOR)

Em decisão de fls. 315/318 assim referi:

A regra geral é a de que o agravo de instrumento não obstaculiza o andamento do processo, consoante art. 497 do CPC.

A atribuição de efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 558 do CPC, somente é possível na ocorrência simultânea de relevante fundamentação (fumaça de bom direito) e possibilidade de lesão grave e de difícil reparação.

Consoante magistério de Athos Gusmão Carneiro, são estes os pressupostos que devem concorrer para a atribuição de efeito suspensivo a recurso:
“a) da probabilidade de ocorrência de lesão grave e de difícil reparação (não sendo bastante a lesão grave, se de fácil reparação o provável dano); e
b) o da relevância na fundamentação constante da petição recursal em prol da reforma da decisão apelada, fundamentação bastante no sentido de incutir de logo no espírito do julgador a previsão de que o recurso provavelmente será provido” (in O Novo Recurso de Agravo e outros estudos, 4ª ed., Forense, p. 87).

No caso em testilha, não obstante alguma controvérsia acerca da licitude da gravação de conversa telefônica, viável a manutenção dos CDs e a respectiva degravação nos autos para sua análise posterior juntamente com os demais elementos de prova carreados aos autos, cabendo ao magistrado sentenciante apreciar livremente essa prova quando da prolação da sentença, sob pena de cerceamento de defesa.

De fato, conforme referem Luiz Guilherme Marinoni e outro[1]:

“a gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores não constitui ilícito. Neste sentido já julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo: ‘O que a Constituição veda é a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação do comunicador ou do receptor. Aquilo que se denomina de interceptação, dando azo a gravação clandestina. Mas a conversa regular entre duas pessoas que se aceitam como comunicador e receptor, em livre expressão do pensamento, admite gravação por uma das partes, assim como seria possível gravar o teor de conversações diretas, sem uso de aparelho telefônico’ (RT 698/160). No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: ‘É possível como prova a gravação em fita magnética feita unilateralmente por um dos interlocutores ainda que com o desconhecimento do outro, pois somente ocorre o sigilo das comunicações quando a interceptação é feita por terceiro, sem a autorização de qualquer dos interlocutores, conforme disposto na Lei 9.296/96 (RT 750/654). Ver, ainda, RT 699/71. RT 731/334, RJTJRGS 190/282. Pelo mesmo motivo, não há ilicitude em levar a juízo a gravação de recado deixado em secretária eletrônica, desde que, como é óbvio, aquele que requer a produção da prova tenha acesso ao aparelho”.
 
Quanto à gravação de conversa telefônica e a viabilidade da apreciação dessa prova, trago à baila a lição de Nelson Nery Júnior[2]:

“A CD 5.º LVI rege a matéria, vedando os meios de prova que não são obtidos por meios lícitos. A doutrina se manifesta de forma bastante controvertida a respeito da validade e eficácia da prova obtida ilicitamente. A proposição da doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o princípio da proporcionalidade. De fato, não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva (Nery. Princ., n. 31, pp. 200/204).”
 
No sentido da licitude da gravação sem o conhecimento do outro interlocutor, colaciono precedentes dos Tribunais Superiores e desta Câmara:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. UTILIZAÇÃO EM PROCESSO JUDICIAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. CONTROVÉRSIA REFERENTE À NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA. ALEGAÇÃO DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. 1. É lícita a prova produzida a partir de gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, quando não existir causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. 2. Não caracteriza cerceamento de defesa a decisão que, motivadamente, indefere determinada diligência probatória. Precedentes: AIs 382.214, da relatoria do ministro Celso de Mello; e 144.548-AgR, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence. Agravo regimental desprovido. RE 630944 AgR / BA – BAHIA.
AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
Relator(a): Min. AYRES BRITTO. Julgamento: 25/10/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma.
 
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS: CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. AI 560223 AgR / SP - SÃO PAULO.
AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 12/04/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma.
 
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. 1. A gravação telefônica realizada por um dos interlocutores sem o consentimento do outro é lícita e pode ser validamente utilizada como elemento de prova, uma vez que a proteção conferida pela Lei n.
9.296/1996 se restringe às interceptações de comunicações telefônicas. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp 815.787/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 27/05/2013)
 
CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. DESNECESSIDADE DE O JULGADOR DEBATER TODOS OS ARGUMENTOS LEVANTADOS PELA PARTE. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. I. A gravação de conversa realizada por um dos interlocutores que se vê envolvido nos fatos é prova lícita e pode servir de elemento probatório. Precedentes. II. O Poder Judiciário, para expressar sua convicção, não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos suscitados pelas partes, senão sobre os necessários ao deslinde da controvérsia. III. Nos termos da Súmula n. 7 desta Corte, a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. IV. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 962.257/MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10/06/2008, DJe 30/06/2008)
 
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. FORNECIMENTO DE PEDRAS E FRETE. Caso em que, da prova documental e de conversa telefônica mantida entre as partes, pode-se extrair o valor incontroverso devido pelo embargante ao autor. A gravação da conversa telefônica por um dos interlocutores não constitui ilícito. Ação parcialmente procedente. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70046251120, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 12/09/2012)
Dessa feita, reputo presentes os requisitos de relevância dos argumentos lançados no recurso pelo agravante, assim como a probabilidade de ocorrência de lesão grave e de difícil reparação.

Posto isso, voto pelo provimento do agravo de instrumento.
 
Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70056493661, Comarca de Canguçu: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO."
 
Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDA TRACTENBERG
 
[1] In: Prova. São Paulo : RT, 1999. p. 246. Nota de rodapé nº 6.
[2] Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 13ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. pág. 725.