TJRS - PROTESTO DE TÍTULO SEM CAUSA - DANO MORAL - SOLIDARIEDADE DA FACTORING

RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO DE TÍTULO SEM CAUSA SUBJACENTE. DANO MORAL IN RE IPSA. SOLIDARIEDADE PASSIVA.
1. A empresa de factoring responde de forma solidária, na figura de endossatária dos títulos sem causa subjacente.
2. O protesto indevido de duplicatas diz com dano moral puro, presumido – in re ipsa.
Ausente sistema tarifado, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Quantum indenizatório mantido.
3. Juros moratórios que devem ter a data do evento danoso como marco inicial - Súmula 54 do STJ.
4. Manutenção da verba honorária fixada em primeiro grau, com fulcro no artigo 20, § 3º do CPC.
APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA E DESPROVIDO O RECURSO DA RÉ. UNÂNIME.
 
Apelação Cível

Décima Câmara Cível  Nº 70054592480 (N° CNJ: 0183875-12.2013.8.21.7000)

Comarca de Viamão 

FRUTA COCO INDUSTRIA E COMERCIO DE PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA  APELANTE/APELADO

CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA  APELANTE/APELADO

ARTECIL S.A  APELADO
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação da autora e negar provimento ao recurso da ré.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Paulo Roberto Lessa Franz e Des. Marcelo Cezar Müller.

Porto Alegre, 24 de abril de 2014.
 
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA,
Relator.
 
RELATÓRIO
Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (RELATOR)

A principio, adoto o relatório da sentença, in verbis:

FRUTA COCO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA ajuizou a presente ação ordinária contra ARTECIL S.A E CÍRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA, partes qualificadas nos autos. Disse que tomou conhecimento de que foi negativado nos órgãos de proteção de crédito em razão de cártulas levadas à protesto pela parte ré. Alegou que não firmou qualquer contrato com as rés, sendo que as duplicatas não possuem nota fiscal ou aceite. Asseverou que os títulos não possuem liquidez, certeza e exibilidade. Discorreu acerca da causalidade das duplicadas. Pediu a procedência dos pedidos, inclusive antecipadamente, para declarar a inexistência dos débitos que originaram os títulos de crédito, com o cancelamento do protesto, e condenação dos requerido ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos em valor a ser arbitrado pelo juízo. Juntou documentos.
 
O pedido antecipatório foi indeferido na fl. 25.
 
Citado, o réu CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA apresentou contestação nas fls. 34-48. Alegou, preliminarmente, ilegitimidade passiva e inépcia da inicial. No mérito, disse que adquiriu os títulos através de operação de fomento mercantil, adquirindo cópia das notas fiscais no momento da compra do crédito.

Dissertou acerca da inoponibilidade das exceções pessoais ao caso. Argumentou a inércia da parte autora. Rebateu o pedido de indenização por danos morais. Pediu a total improcedência da ação. Juntou documentos.
 
Houve réplica.
 
O pedido antecipatório foi deferido na fl. 113.
 
A ré Artecil, regularmente citada, deixou transcorrer 'in albis' o prazo contestacional (fl. 125).
 
Instadas as partes sobre as provas a produzir (fl. 125), foi requerido pela ré a Cirio a designação de audiência de conciliação, o que foi rejeitado pela parte contrária.
 
O Dr. Juiz de Direito decidiu:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos na ação proposta para declarar inexistente a dívida cobrada e condenar a parte ré de forma solidária no pagamento de indenização por danos morais em R$ 6.620,00, valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde a data do protesto, acrescidos de juros de 1% ao ano a contar da citação, bem como confirmar o pedido de antecipação de tutela, determinando o cancelamento definitivo do protesto e da inscrição nos órgãos de proteção de crédito.
 
Condeno a parte ré solidariamente no pagamento da integralidade das custas processuais e honorários ao procurador da parte autora, os quais vão fixados em 15% do valor da condenação, forte no que dispõe o art. 20, § 3º, do CPC.
 
A parte autora apela. Defende que deve ser majorado o valor da condenação pelos danos extrapatrimoniais reconhecidos em 1º Grau, levando em consideração o nível econômico do ofendido, o porte econômico do ofensor, a responsabilidade pelo contrato e os meios que a apelada possuía para afastar a fraude. Alega que os juros legais devem ser computados desde o evento danoso e afirma que os honorários advocatícios fixados não remuneram adequadamente o seu causídico. Pede o acolhimento da inconformidade.

A ré CÍRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA apela. Sustenta que o ato do protesto efetuado fazia-se totalmente necessário para defesa de seu crédito. Alega que deve ser afastada a condenação solidária, devendo ser considerada a medida da culpabilidade de cada um dos agentes. Afirma que o valor arbitrado a titulo de danos morais comporta redução, especialmente diante dos elementos que norteiam a presente demanda. Pugna pelo provimento do recurso.

Apenas a autora apresenta contrarrazões de apelação, impugnando as alegações da parte adversa.

Subiram os autos.

Registro, por fim, que foi observado o previsto nos arts. 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (RELATOR)

Colegas.

A autora busca majoração da condenação fixada no juízo de origem.

A corré Círio Administradora de Valores LTDA pede a redução do quantum indenizatório e o afastamento da solidariedade na condenação.

Incontroverso nos autos que os títulos são desprovidos de causa debendi. Ilícitos os protestos realizados, portanto.

Conforme disposto na Lei 5.474/1968, a duplicata mercantil pode ser emitida em decorrência de uma compra e venda mercantil ou em razão de uma prestação de serviço.

Entretanto, no caso, as demandadas não comprovaram a realização qualquer transação com a empresa demandante a fim de amparar a cobrança realizada.

Era ônus da parte ré, impugnado o título, demonstrar a origem da relação comercial, obrigação esta que não se desincumbiu.

Neste sentido, é a jurisprudência desta Corte:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM SUSTAÇÃO DE PROTESTO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ÔNUS DA PROVA. ARTIGO 333, INCISO II, DO CPC. PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. Incumbe ao réu, a teor do preceito insculpido no artigo 333, inciso II, do CPC, a prova quanto a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Caso em que houve o protesto de duplicata desprovida de "causa debendi". (...) APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70035936913, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 16/12/2010) - grifei
 
A parte requerida calca seus argumentos no fato de que teria agido de boa-fé, protestando os títulos, tão-somente, para garantir o seu direito de regresso.

Ocorre que, mesmo em contratos de fomento mercantil, a endossatária dos títulos responde solidariamente pelos danos causados a terceiros. Não há qualquer excludente de responsabilidade no caso em comento. Assim a jurisprudência uníssona desta Corte de Justiça:

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROTESTO DE TÍTULO SEM CAUSA SUBJACENTE. Responsabilidade solidária das empresas que repassaram o título protestado. Duplicata emitida sem causa jurídica subjacente é ineficaz frente ao sacado, a quem é lícito postular a sua desconstituição e o cancelamento do protesto. O protesto indevido de duplicata diz com dano moral puro. Ausente sistema tarifado, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Valor mantido [R$ 6.000,00]. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE FACTORING. Repassando a empresa de factoring título à instituição financeira, responsabilizando-se pela existência do débito, deve responder frente ao protesto realizado sem causa subjacente. NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70049307143, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 18/07/2013) - grifei
 
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS E RECURSO ADESIVO. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA. PROTESTO INDEVIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO QUE ATUA COMO MERO MANDATÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE CEDENTE E CESSIONÁRIO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Banco que apresenta título para protesto na condição de mero endossatário-mandatário é parte ilegítima para responder pelos danos ocasionados por deste ato, salvo prova de agir culposo próprio. 2. Solidariedade passiva de ambas as rés configurada: a da ré MADEIREIRA CIRENAICA LTDA. por ter emitido equivocadamente duplicata; e a ré GPA FACTORING FOMENTO MERCANTIL ltda. por proceder à cobrança indevida do título, sem adotar as cautelas e diligências necessárias ao ato. 3. Não há que falar em ausência de prova dos danos morais, os quais restam configurados in re ipsa, decorrendo do registro desabonador em si. Em resumo, o dano moral nestes casos é presumido, ou seja, independe de comprovação em concreto dos prejuízos dela decorrentes, bastando a inclusão indevida em banco de dados de órgãos restritivos de créditos para ensejar a reparação pecuniária equivalente. 4. Quantum indenizatório majorado para R$ 8.000,00, de acordo com os parâmetros da Câmara e precedentes doSTJ. 5. Em se tratando de responsabilidade civil extracontratual, os juros correm a partir do evento danoso. Inteligência do art. 398 do CCB e da Súmula 54 do STJ. Correção monetária incidente a contar da data do julgamento, nos termos da Súmula 362 do STJ. APELAÇÃO CÍVEL DO RÉU BANCO DO BRASIL S/A PROVIDA, DESPROVIDA A DA RÉ MADEIREIRA CIRENAICA LTDA. E DA RÉ GPA FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA; RECURSO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058050253, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 31/01/2014) - grifei
 
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICATA MERCANTIL. RESPONSABILIDADE DA EMITENTE E DA EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. 1. Duplicata mercantil. Título causal. Negócio subjacente não concretizado. Protesto indevido que foi ultimado. Ilícito caracterizado. 2. Legitimidade passiva da empresa de factoring. A compra de ativos é atividade de risco. A empresa de factoring assume a posição do credor, não podendo argüir a inoponibilidade das exceções pessoais. Preliminar afastada. 3. Deve a empresa de factoring acercar-se das mínimas cautelas sobre a regularidade do título, notadamente em se tratando de duplicatas mercantis, cambiais de natureza causal. Nulidade do título evidenciada em face de ausência de causa subjacente. Ausência de cautela ao receber o título de crédito. A boa-fé do adquirente do título não afasta sua responsabilidade, que deriva da culpa. Precedente do STJ. Condenação solidária entre as rés. 4. Dano moral caracterizado. Quantum indenizatório. Natureza compensatória e pedagógica da condenação. Peculiaridades do caso concreto e condição das partes. Manutenção da indenização fixada em R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinqüenta reais). Preliminar de ilegitimidade passiva afastada e, no mérito, desprovido o apelo (Apelação Cível Nº 70032380545, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 06/07/2011) - grifei
 
O cessionário tem a obrigação de certificar-se acerca da existência e regularidade do negócio jurídico entabulado entre o cedente e o devedor, bem como da existência e regularidade do crédito. Não agindo dessa forma, assume, solidariamente, a responsabilidade pelo crédito que possui e pelos atos correlatos a este direito creditício.

No presente caso a ré, ora apelante, apenas afirma que conferiu notas fiscais correspondentes e que tomou as precauções necessárias. No entanto, nada veio aos autos nesse sentido.

Tocante ao dano moral, incontroverso que a parte autora teve títulos em seu nome levados a protesto, este vai reconhecido in re ipsa. A propósito, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO. DANO IN RE IPSA, AINDA QUE SOFRIDO POR PESSOA JURÍDICA. SÚMULA 83/STJ.
1. Nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral configura-se in re ipsa, prescindindo de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica.
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (súmula 83/STJ).
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no Ag 1261225 / PR)
 
Reconhecida a existência do dano e do dever de reparar, cabe analisar o montante compensatório fixado em 1º Grau.

Concernente ao arbitramento do dano moral, é do magistério de Humberto Theodoro Júnior, in Dano Moral, Editora Juarez de Oliveira, 2ª edição, 1999, “Impõe-se a rigorosa observância dos padrões adotados pela doutrina e jurisprudência, inclusive dentro da experiência registrada no direito comparado para evitar-se que as ações de reparação de dano moral se transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e injustificáveis. As duas posições, sociais e econômicas, da vítima e do ofensor, obrigatoriamente, estarão sob análise, de maneira que o juiz não se limitará a fundar a condenação isoladamente na fortuna eventual de um ou na possível pobreza do outro.” (p. 43).

Inexistindo outra forma de determinação que não o arbitramento, o montante a compensar o dano moral fica a critério do julgador, observadas a prudência, a equidade na atribuição do valor, a moderação, as condições da parte ré em suportar o encargo e a não-aceitação do dano como fonte de riqueza, cumprindo atentar-se, ainda, ao princípio da proporcionalidade.

Destarte, observadas as circunstâncias de fato e de direito e os critérios comumente manejados pela Câmara em demandas que guardam similitude entre si, estou que a importância fixada em sentença (R$ 6.620,00 – seis mil, seiscentos e vinte reais) encontra-se adequada a compensar a parte autora pelo injusto sofrido e suficiente a penalizar a parte ré pelo ato ilícito praticado.

No que concerne aos juros moratórios, acolho o apelo da autora, para fixar o evento danoso (data dos protestos) como marco inicial de sua incidência, de acordo com a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, quanto aos honorários advocatícios, tenho que o percentual fixado na sentença seja suficiente a remunerar o procurador da parte autora, diante da natureza do feito, quantidade de intervenções e complexidade da matéria – artigo 20, § 3º do CPC.

Isso posto, dou parcial provimento à apelação da parte autora e nego provimento ao recurso da parte ré.

Mantidos os ônus sucumbenciais.

É como voto.
 
Des. Paulo Roberto Lessa Franz (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Marcelo Cezar Müller - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70054592480, Comarca de Viamão: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. UNÂNIME."
  
Julgador(a) de 1º Grau: GIULIANO VIERO GIULIATO