TJSC - CHEQUE - NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DE COMPRA EM OPERAÇÕES DE FACTORING

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUE. RECURSO DA EMBARGANTE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA. CAMBIAIS CEDIDAS À EMPRESA DE FACTORING POR MEIO DE CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS. INEXISTÊNCIA DA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR/EMITENTE. INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO CIVIL QUE ACARRETA A INEFICÁCIA DA CESSÃO EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Apelação Cível n. 2014.011696-6, de Curitibanos

Relatora: Desembargadora Rejane Andersen

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUE. RECURSO DA EMBARGANTE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA. CAMBIAIS CEDIDAS À EMPRESA DE FACTORING POR MEIO DE CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS. INEXISTÊNCIA DA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR/EMITENTE. INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 290 DO CÓDIGO CIVIL QUE ACARRETA A INEFICÁCIA DA CESSÃO EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.011696-6, da Comarca de Curitibanos (2ª Vara Cível), em que é apelante Madeireira JLG Ltda. ME, e apelado Mega Tecnologia e Administradora de Ativos Ltda.:

A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para acolher a preliminar de ilegitimidade ativa e extinguir o feito, com base no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, condena-se o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Vencido o Exmo. Sr. Desembargador Guilherme Nunes Born, que votou no sentido de declarar a legitimidade ativa da apelada em promover a ação monitória. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Robson Luz Varella e Guilherme Nunes Born.

Florianópolis, 15 de abril de 2014.

Rejane Andersen

PRESIDENTE E Relatora

 

RELATÓRIO

Mega Tecnologia e Administradora de Ativos Ltda. ajuizou ação monitória (fls. 2-6) em desfavor de Madeireira JLG Ltda. objetivando a cobrança da importância original de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) representada por 6 (seis) cheques de titularidade do requerido.

Embargos monitórios às fls. 35-40.

Impugnação aos embargos às fls. 52-60.

Sobreveio sentença de mérito (fls. 68-71), da qual se extrai o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, com base nos arts. 269, I e 1.102c, § 3º, ambos do CPC, julgo improcedentes os embargos ofertados pela Madeireira JLG Ltda nos autos da presente ação monitória, que lhe promove Tomé Auto Center Ltda - Mega Tecnologia e Administradora de Ativos Ltda, para o fim de declarar constituído, de pleno direito, o título executivo judicial, devendo prosseguir-se na forma de execução por quantia certa.

Condeno o réu/embargante ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor da parte ex adversa, verba esta que, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC, arbitro em 10% (dez por cento) incidente sobre o valor da condenação.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

Transitada em julgada, intime-se o executado, na pessoa de seu advogado, para cumprir voluntariamente a sentença/acórdão no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de o montante da condenação ser acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento), na forma do artigo 475-J do Código de Processo Civil.

Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da dívida (condenação mais juros de mora e correção monetária).

Irresignado, o embargante apelou (fls. 74-82) insurgindo-se contra a sentença prolatada sob a alegação de que não lhe foi dada ciência da cessão dos títulos que embasam a monitória, razão pela qual sustenta a ilegitimidade da parte autora.

Contrarrazões às fls. 87-105.

Após, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso, adianta-se, deve ser provido e a sentença de primeiro grau reformada.

Inicialmente, esclarece-se que a apelada é sociedade limitada que se dedica à atividade de fomento mercantil (factoring), a qual não é privativa de instituição financeira, ao contrário, pode ser desenvolvida por qualquer sociedade empresária com esse objetivo instituída, independentemente de prévia autorização do Banco Central do Brasil.

Sobre o contrato de fomento mercantil, extrai-se da melhor doutrina:

Pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciado os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objetos da faturização (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 3/6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pgs. 142-143).

Da lição doutrinária citada, extrai-se que as operações de fomento mercantil destinam-se ao adiantamento de créditos - pela empresa de factoring ou faturizadora - em favor de sociedade empresária (faturizada), decorrente da prestação de serviços ou venda de mercadorias em favor de terceiro (cliente).

Na espécie, é ponto incontroverso nos autos que não existe relação comercial entre o apelante Madeireira JLG Ltda. ME e a apelada Mega Tecnologia e Administradora de Ativos Ltda., sendo que os cheques foram a este repassados em decorrência de negociação com Litoral Motos Ltda.

Extrai-se dos autos que os créditos representados pelos cheques foram transferidos à faturizadora por meio de "Contrato de Cessão de Direitos Creditórios e outras Avenças".

Sobre o tema esclarece a doutrina:

1. CESSÃO DE CRÉDITO

1.1. Predominância do caráter contratual ante a relação cambial nas operações de factoring - A operação de factoring 'repousa numa cessão de crédito', em decorrência, sobretudo, 'de sua natureza contratual e não cambial das relações dele decorrentes.' Ou seja, embora não seja o único instituto utilizado, pois, para a tradição do título (duplicata ou cheque) indispensável o endosso, onde se aplica a Lei Uniforme, a cessão de crédito é a figura jurídica que mais se aproxima do contrato de factoring. [...].

Sendo o factoring ligado ao crédito que se constitui em bem de caráter patrimonial suscetível de transferência, essa transferência se faz através dacessão de crédito, sendo o endosso utilizado como instrumento para a tradição dos títulos cambiais, objeto da cessão.

[...]

1.2. Conceito - É o negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a outrem os seus direitos. Um sentido amplo a palavra cessão indica a transferência, a título gratuito ou oneroso, de bens, direitos e ações" (DONINI, Antônio Carlos. Factoring de acordo com o novo código civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 79-80).

Assim, tendo em vista que os títulos foram transferidos mediante cessão de crédito, as normas previstas no Código Civil vigente devem ser respeitadas. É o entendimento desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. MONITÓRIA DE CHEQUE. FACTORING. 1. AUTORA QUE, PELA ATIVIDADE DE FOMENTO MERCANTIL EXERCIDA, RECEBE OS CHEQUES POR CESSÃO DE CRÉDITO E NÃO ENDOSSO CAMBIAL. ARTS. 286 E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL. 2. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA EMITENTE A RESPEITO DA CESSÃO. ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. INEFICÁCIA DA TRANSMISSÃO À FATURIZADORA. 3. CÁRTULAS NOMINAIS À TERCEIRA PESSOA. ILEGITIMIDADE ATIVA DAFACTORING PARA COBRÁ-LOS. ACTIO EXTINTA. 4. SUCUMBÊNCIA ALTERADA, POR CONSEQUÊNCIA. CONDENAÇÃO DA AUTORA EXCLUSIVAMENTE. HONORÁRIOS DE ACORDO COM O ART. 20, §4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 5. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Cível nº 2008.012958-6, de São José, Segunda Câmara de Direito Comercial, Rel. Des. Raulino Jacó Brüning, j. em 10/07/2012).

E ainda:

Sendo transferido o título de crédito mediante operação de fomento mercantil, não se caracteriza o endosso puro e simples do direito cambial, mas sim a cessão de crédito prevista no Código Civil (arts. 286 e seguintes), por conseguinte, permite-se ao devedor opor as exceções pessoais que caberiam frente ao endossante (CC/2002, art. 294) (Apelação Cível n. 2008.067048-5, de Lages, Quinta Câmara de Direito Comercial, Rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, j. em 28.04.11).

No particular, dispõe o art. 290 do mencionado diploma legal: "A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita".

Dessa maneira, fazia-se imperiosa a notificação do devedor, pela Litoral Motos Ltda., da cessão em favor de Mega Tecnologia e Administradora de Ativos Ltda., o que não se verifica nos autos, razão pela qual, os títulos são inexigíveis.

Por essas razões, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento para acolher a preliminar de ilegitimidade ativa, julgando extinto o feito, com base no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, invertem-se os ônus sucumbenciais, cabendo ao autor o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

É o voto.

Desembargadora Rejane Andersen