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Risco operacional de FIDC é desafio após CVM 175

Diante da escassez de crédito bancário no contexto atual, a securitização surge como uma alternativa viável para empresas financiarem suas operações e projetos de expansão, ou mesmo para renovações de empréstimos. Por outro lado, oferece a possibilidade de diversificação da carteira para os investidores, atraindo ainda mais interesse para essa modalidade de investimento.

Mas em um contexto de juros altos e preocupações crescentes com o aumento da inadimplência, os investidores estão redobrando a atenção em relação ao risco de crédito associado a essa classe de ativos.

Nesse cenário, os FIDC têm ganhado destaque com sua maior regulamentação e governança em comparação a outros veículos de securitização, e sua estrutura de subordinação de diferentes classes de cotas, que estabelece uma hierarquia de pagamento para os investidores, com prioridades distintas de recebimento e rentabilidade diferenciada para cada tipo de cota. Segundo dados compilados pela Uqbar, o patrimônio líquido dos FIDC fechou o ano de 2022 em R$ 308 bilhões, um crescimento de quase 200% quando comparado com 2018.

Temos sempre reforçado que a abertura do investimento em FIDC para os investidores comuns pela ICVM 175 em 2023, ainda que apenas nas cotas sênior, não é tão simples, devido à dificuldade na avaliação dos riscos. Trata-se de um produto complexo, com diversos desafios operacionais, pouco conhecidos até mesmo por investidores e agentes mais experientes.

É importante compreender que o risco de crédito não é o único aspecto a ser considerado em uma operação de securitização — embora seja um elemento relevante, existem outros fatores que também merecem atenção na avaliação dessas estruturas. Entre eles, destaca-se o risco operacional, que muitas vezes decorre de uma deficiência na operação da estrutura e pode desencadear um aumento do risco de crédito do fundo.

A esteira de governança de um FIDC envolve a participação de diversos agentes, que desempenham papéis específicos e complementares, adicionando uma camada extra de segurança aos fundos. A análise qualitativa desses agentes é fundamental para identificar possíveis riscos operacionais.

Nesse sentido, alguns fatores devem ser levados em conta nessa avaliação, a começar pela competência técnica do prestador de serviço para lidar com as especificidades de cada tipo de lastro. Caso contrário, o risco jurídico de o fundo cobrar valores indevidos dos devedores aumenta consideravelmente. Outro potencial risco está ligado ao crédito — por exemplo, uma apropriação errada dos juros pode gerar o descasamento de spread e comprometer a capacidade de pagamento aos investidores.

Além disso, caso o prestador não tenha a capacidade e o operacional para realizar a auditoria de lastro do fundo, o gestor, e eventualmente o administrador, podem incorrer em multas e até ter sua licença cassada para exercer suas atividades por desconformidade regulatória, o que em última instância poderia gerar a substituição desses agentes e uma ruptura na estrutura.

Os prestadores também devem ter controles internos eficazes para mitigar os riscos operacionais, como políticas e procedimentos adequados e capacidade de identificar e gerenciar esses riscos. Um problema corriqueiro é o reconhecimento de baixas, ou seja, o controle e gerenciamento do recurso que entra na conta de cobrança das estruturas, essencial para mitigar o risco de fungibilidade do fundo.

Além disso, os fundos dependem de sistemas e infraestrutura tecnológica robustos, como segurança de dados, capacidade de processamento e armazenamento de informações. No caso de fundos multicedente multisacado, alguns administradores possuem sistemas integrados capazes de validar se há créditos cedidos em duplicidade (para mais de um veículo de securitização) e um processo de verificação e auditoria de lastros, que mitigam o risco de fraude.

Por fim, o investidor deve apurar se há uma equipe capacitada e experiente, para lidar com os desafios e complexidades do FIDC, e contribuir para a tomada de decisões acertadas e a eficiência operacional do fundo.

Ao considerar esses fatores durante a análise qualitativa dos agentes envolvidos, é possível mitigar os erros operacionais e fortalecer a eficiência e a segurança da operação. Mas como essa dinâmica fica fora do campo de visão do investidor, especialmente aquele que não é profissional, torna-se crítica a necessidade de calibrar o conhecimento do mercado sobre os riscos das operações estruturadas para além da avaliação de crédito.

*Gustavo Belger é sócio-diretor de risco da Empírica

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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