Alienação Fiduciária de Bens Imóveis: É Possível Optar pela Execução Extrajudicial em Caso de Dívida Superior ao Valor do Imóvel?

Introdução: A Lei 9.514/97 desempenha um papel crucial ao regulamentar a alienação fiduciária de bens imóveis, preenchendo uma lacuna substancial no sistema de garantias do direito brasileiro, que tradicionalmente depositava no instituto da hipoteca a expectativa de assegurar a eficiência das operações imobiliárias. Este instituto, outrora predominante e amplamente utilizado, perdeu o protagonismo devido às muitas desvantagens quando comparado à alienação fiduciária, que tem custos mais baixos, não tem o risco do bem hipotecado ser penhorado para pagar crédito trabalhista, por exemplo, e não se submete, como aquela, aos caprichos dos processos de Recuperação Judicial.

Diversamente do que ocorre na hipoteca, a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel é modalidade de negócio jurídico marcada pela transferência do risco do inadimplemento ao responsável pelo cumprimento da obrigação, mantendo a propriedade resolúvel do devedor fiduciante em nome do credor fiduciário, que fica mantido na sua posse até satisfazer o cumprimento total da obrigação, sem o que não se tornará seu pleno proprietário, conforme previsto no artigo 22 da Lei 9.514/97.

Nesse pequeno artigo, perdendo explorar alguma vantagem e facilidades que a legislação traz consigo, em especial a consequência prática do inadimplemento do contrato, caso em que o credor fiduciário terá direito a executar essa garantia por meio de leilão extrajudicial ou judicial.

Leilão extrajudicial:  na hipótese de falta de pagamento de alguma parcela, a lei atribui ao Oficial do competente Registro de Imóveis as diligências de notificação para purgação da mora. Se a mora não for regularizada, o Oficial certificará esse fato e realizará os procedimentos necessários para consolidar a propriedade em nome do credor fiduciário. Após a consolidação da propriedade, o credor deve realizar 02 (dois) leilões para vender o imóvel, usando o produto da venda para quitar sua dívida até o limite do crédito, devolvendo ao devedor qualquer valor excedente à dívida, juros e despesas. Se, no segundo leilão, não se alcançar o valor da dívida, o credor exonera o devedor do pagamento da diferença, dando-lhe obrigatoriamente quitação da dívida que poderá ser inferior ao valor total da dívida. Portanto, o procedimento extrajudicial só é recomendável quando o valor da dívida é maior do que o valor do imóvel.

Execução Extrajudicial (Caso a Dívida Supere o Valor do Imóvel): Quando a dívida é significativamente maior que o valor do imóvel, a execução extrajudicial se torna uma opção viável para o credor fiduciário. Vale observar que, ao tratar dos métodos de satisfação do crédito do credor fiduciário, a Lei 9.514/1997 aborda o procedimento extrajudicial de leilão e exonera o devedor fiduciante da obrigação de pagar o saldo da dívida caso o segundo leilão não atinja pelo menos o valor do saldo devedor acrescido de juros. Dada essa particularidade, o procedimento de leilão extrajudicial previsto no artigo 27 se mostra inadequado nos casos de deterioração ou depreciação do imóvel objeto da garantia, pois é improvável que o valor arrecadado no leilão seja suficiente para liquidar toda a dívida, impossibilitando que o credor cobre o saldo remanescente por imposição legal. Para tais situações, o meio apropriado para que o credor obtenha a satisfação de seu crédito é a execução por título extrajudicial: O credor fiduciário pode optar pelo processo judicial de execução por quantia certa contra devedor solvente, caso considere esse método mais adequado dadas as circunstâncias para garantir a satisfação de seu crédito.

Leilão judicial: A existência, no ordenamento, de um procedimento extrajudicial de realização da garantia fiduciária imobiliária não obsta o exercício da faculdade do credor fiduciário de promover a execução judicial do seu crédito. Na execução judicial, a penhora pode recair sobre o direito de aquisição do devedor fiduciante em relação ao imóvel objeto da garantia. Além disso, a penhora pode abranger outros ativos do patrimônio do devedor fiduciante caso o valor do direito de aquisição seja insuficiente para quitar integralmente o crédito.

Conclusão: Como se pode ver, a alienação fiduciária tem muitas vantagens quando comparada à hipoteca, ao fornecer ao credor o protagonismo nas hipóteses de inadimplemento, trazendo consigo as modalidades de consolidação da propriedade em caso de inadimplemento, além do leilão judicial e extrajudicial para satisfação do crédito, sábias medidas de reequilíbrio da confiança no adimplemento e eficiência da operação imobiliária, cujo êxito inspirou sua ampliação para outras operações, tais como bens móveis e, até mesmo, intangíveis, matéria de grande valia para operações de cessão de direitos creditórios, como se abordará em artigos futuros. E por fim, o credor fiduciário possui a alternativa de recorrer ao sistema judicial para executar seu crédito, caso julgue essa abordagem mais apropriada, considerando as circunstâncias, a fim de assegurar a plena satisfação de seu direito.


 

Felipe do Canto Zago

Felipe do Canto Zago

Advogado, graduou-se pela  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Desde os primeiros anos de prática processual, empreendeu em escritórios de advocacia próprios, tornando-se profissional reconhecido no Mercado de Capitais (FIDCs e Securitizadoras) e Direito Empresarial, destinando anos à vida à academia, onde leciona e possui profícua produção.
 
Mestre em Direito na área de Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado pela PUCRS, formou-se Pós Graduado em Direito Empresarial pela mesma universidade. Possui, também, extensão em Direito Civil, Processo Civil, Direito Administrativo, Direito do Consumidor, Direito Tributário no IDC, Direito Bancário pela FGVRJ, Direito Imobiliário na AJURIS e Direito Societário na UNISINOS.
 
Professor Convidado (2013-2017) da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, bem como da Pós-Graduação em Direito Contratual, Responsabilidade Civil e Direito Imobiliário da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (desde 2018 até o momento).Possui diversos estudos jurídicos publicados em revistas técnicas, artigos jurídicos e jornais de grande circulação; é também palestrante em Congressos, Cursos e Simpósios no setor de compra de ativos mobiliários.